quarta-feira, 18 de abril de 2018

Crítica de "Um Lugar Silencioso"

O cinema de gênero, cada vez mais no panorama atual, vem perdendo espaço para as grandes produções. Os filmes de terror, por exemplo, são majoritariamente genéricos e com fórmulas batidas, apresentando poucos espaços para obras realmente inovadoras. Contudo, quando estas aparecem devemos reconhecer o frescor da arte sob a forma de película que faz a experiência cinematográfica ser maximizada sempre. O cinema de terror, especificamente, vem se fortalecendo bastante nos últimos anos devido a obras que pensam de uma forma diferenciada e que apresentam suas situações de formas não-convencionais, mas sem perder a essência do terror como manifestação do medo. "Invocação do Mal", "Corrente do Mal", "Babadook", "A Bruxa" são exemplos de cinema de gênero extremamente bem acabados em seu propósito, além de bem originais e com roteiros instigantes e complexos. Eis que, em 2018, surge John Krasinski (o mesmo da série cômica "The Office") com um roteiro bastante inovador. O filme acompanha uma família sobrevivente a uma espécie de apocalipse provocado por monstros que reconhecem suas vítimas através do barulho. Dessa forma, para que a família sobreviva é preciso se evitar ao máximo a emissão de qualquer som alarmante. Mas, como todo filme de terror, as coisas não saem exatamente como o planejado.

O principal desafio do roteiro foi a concepção do universo enquanto coisa real e a incorporação do conceito do silêncio como fator crucial à obra (nesse quesito remetemos ao excelente "Silêncio", de Martin Scorsese). Aqui, através de uma apresentação hábil de mundo, o script consegue definir regras daquele universo que são seguidas até o fim. Todas as gags, ao final, são utilizadas em prol da fluidez narrativa. Por exemplo, o fato do menino brincar com o carro no seu tempo livre tem impacto direto em um momento chave ao final da película. E essas articulações entre as diferentes partes do filme dão mais escopo à metragem, assim como uma maior coerência visual/textual. Ora, tudo é colocado de maneira tão encaixada que o público percebe o esmero do roteiro em definir os detalhes como elementos importantes da narrativa. Aliás, o filme trata justamente sobre isso. Em meio a uma sociedade de anúncios chamativos e barulhos a todo o momento, por que não mergulharmos em um filme pautado no silêncio e no apreço pelos detalhes? Além disso, vale ressaltar o emocionante desenvolvimento dos personagens da família, que foram utilizados como forma de engrandecer o apego do espectador àqueles sobreviventes. Todos os integrantes possuem um arco muito bem definido, sendo suas curvas dramáticas muito bem divididas a ponto de permitirem um excelente ritmo ao longa. O filme apresenta 90 minutos de duração, mas aparenta ter menos, justamente, por focar na fluidez dos fatos e na objetividade daquilo que é necessário à trama. Apesar de existirem momentos contemplativos e de desenvolvimento das relações entre os próprios personagens, o roteiro parece optar por um clima de tensão e um senso de urgência constantes, que, como são bem administrados, funcionam muito bem.

Por outro lado, vale também ressaltar a segura direção de Krasinski: mesmo não muito inovadora quanto à técnica, foi bastante prática. Krasinski parece ter a confiança de conhecer todos os nuances da história, ao apresentar sequências ora empolgantes, ora agoniantes, sendo a movimentação de câmera fator fundamental para a clareza visual. Por outro lado, o longa aposta em planos muito abertos que reiteram a grandeza daquele mundo pós-apocalíptico e a insignificância dos sobreviventes em relação a tudo. Nesse ínterim, a fotografia pálida e lúgubre serve para ressaltar esse ambiente triste e sem vida, sendo as cenas enquadradas pelo diretor muito bonitas, porém sem a vivacidade necessária, justamente, por esse apelo solitário que o filme traz consigo. Dessa forma, é impossível não comparar o visual do filme e a própria premissa ao jogo "The Last of Us", que também aposta muito no suspense e na construção de um universo rico como forma de desenvolver a história. Ademais, vale também destacar o papel vital do editor e do mixador de som na montagem desse filme, visto que o trabalho com o som é deveras importante para o impacto no espectador. Sendo uma obra que trabalha com a inexistência total de nenhuma forma sonora, qualquer ruído mais grave ou inserção de trilha sonora precisa ser feito de maneira totalmente estratégica, visto que configura-se como uma mudança de paradigma muito rápida. Assim, a trilha sonora também é usada de forma eficiente nos momentos oportunos, sendo o seu tom melancólico completamente condizente com a atmosfera criada.

Talvez o grande problema da metragem esteja na sua parte final. E quando digo final remeto-me aos cinco minutos finais de fato. A resolução do clímax, apesar de ser válida para outros filmes e outras situações apresentadas, não possui respaldo na construção do universo previamente exibida. Mesmo que apresente um certo sentido narrativo, a ruptura com o sentimento sob o qual o filme se baseia faz com que o final não seja tão impactante quanto deveria. Apesar do longa a todo o momento quebrar paradigmas formais do gênero e desenvolver certas situações de forma criativa, é justamente o final que provoca um pouco de desgosto, por remeter a um clichê muito utilizado. Mas, mesmo assim, "Um Lugar Silencioso" é uma obra deveras ousada e que merece ser vista no cinema, principalmente pela experiência áudio-visual. O elenco também merece destaque por ser capaz de oferecer subcamadas aos personagens de modo que cada um tenha a sua personalidade própria, mesmo sem expressá-las por meio da voz. Talvez a mais exigida dramaticamente seja realmente Emily Blunt, mas os demais atores conseguem dar um suporte muito bom para ela, de forma que todas as atuações são críveis e competentes. Dessa forma, "Um Lugar Silencioso" se apresenta como um filme de gênero que foge das convenções, ao desenvolver um conceito criativo de forma atmosférica e completamente imersiva.

Nota: 

- João Hippert

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