O principal desafio do roteiro foi a concepção do universo enquanto coisa real e a incorporação do conceito do silêncio como fator crucial à obra (nesse quesito remetemos ao excelente "Silêncio", de Martin Scorsese). Aqui, através de uma apresentação hábil de mundo, o script consegue definir regras daquele universo que são seguidas até o fim. Todas as gags, ao final, são utilizadas em prol da fluidez narrativa. Por exemplo, o fato do menino brincar com o carro no seu tempo livre tem impacto direto em um momento chave ao final da película. E essas articulações entre as diferentes partes do filme dão mais escopo à metragem, assim como uma maior coerência visual/textual. Ora, tudo é colocado de maneira tão encaixada que o público percebe o esmero do roteiro em definir os detalhes como elementos importantes da narrativa. Aliás, o filme trata justamente sobre isso. Em meio a uma sociedade de anúncios chamativos e barulhos a todo o momento, por que não mergulharmos em um filme pautado no silêncio e no apreço pelos detalhes? Além disso, vale ressaltar o emocionante desenvolvimento dos personagens da família, que foram utilizados como forma de engrandecer o apego do espectador àqueles sobreviventes. Todos os integrantes possuem um arco muito bem definido, sendo suas curvas dramáticas muito bem divididas a ponto de permitirem um excelente ritmo ao longa. O filme apresenta 90 minutos de duração, mas aparenta ter menos, justamente, por focar na fluidez dos fatos e na objetividade daquilo que é necessário à trama. Apesar de existirem momentos contemplativos e de desenvolvimento das relações entre os próprios personagens, o roteiro parece optar por um clima de tensão e um senso de urgência constantes, que, como são bem administrados, funcionam muito bem.
Por outro lado, vale também ressaltar a segura direção de Krasinski: mesmo não muito inovadora quanto à técnica, foi bastante prática. Krasinski parece ter a confiança de conhecer todos os nuances da história, ao apresentar sequências ora empolgantes, ora agoniantes, sendo a movimentação de câmera fator fundamental para a clareza visual. Por outro lado, o longa aposta em planos muito abertos que reiteram a grandeza daquele mundo pós-apocalíptico e a insignificância dos sobreviventes em relação a tudo. Nesse ínterim, a fotografia pálida e lúgubre serve para ressaltar esse ambiente triste e sem vida, sendo as cenas enquadradas pelo diretor muito bonitas, porém sem a vivacidade necessária, justamente, por esse apelo solitário que o filme traz consigo. Dessa forma, é impossível não comparar o visual do filme e a própria premissa ao jogo "The Last of Us", que também aposta muito no suspense e na construção de um universo rico como forma de desenvolver a história. Ademais, vale também destacar o papel vital do editor e do mixador de som na montagem desse filme, visto que o trabalho com o som é deveras importante para o impacto no espectador. Sendo uma obra que trabalha com a inexistência total de nenhuma forma sonora, qualquer ruído mais grave ou inserção de trilha sonora precisa ser feito de maneira totalmente estratégica, visto que configura-se como uma mudança de paradigma muito rápida. Assim, a trilha sonora também é usada de forma eficiente nos momentos oportunos, sendo o seu tom melancólico completamente condizente com a atmosfera criada.
Talvez o grande problema da metragem esteja na sua parte final. E quando digo final remeto-me aos cinco minutos finais de fato. A resolução do clímax, apesar de ser válida para outros filmes e outras situações apresentadas, não possui respaldo na construção do universo previamente exibida. Mesmo que apresente um certo sentido narrativo, a ruptura com o sentimento sob o qual o filme se baseia faz com que o final não seja tão impactante quanto deveria. Apesar do longa a todo o momento quebrar paradigmas formais do gênero e desenvolver certas situações de forma criativa, é justamente o final que provoca um pouco de desgosto, por remeter a um clichê muito utilizado. Mas, mesmo assim, "Um Lugar Silencioso" é uma obra deveras ousada e que merece ser vista no cinema, principalmente pela experiência áudio-visual. O elenco também merece destaque por ser capaz de oferecer subcamadas aos personagens de modo que cada um tenha a sua personalidade própria, mesmo sem expressá-las por meio da voz. Talvez a mais exigida dramaticamente seja realmente Emily Blunt, mas os demais atores conseguem dar um suporte muito bom para ela, de forma que todas as atuações são críveis e competentes. Dessa forma, "Um Lugar Silencioso" se apresenta como um filme de gênero que foge das convenções, ao desenvolver um conceito criativo de forma atmosférica e completamente imersiva.
Nota:
- João Hippert
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