sábado, 13 de janeiro de 2018

Crítica de "Viva: A Vida é uma Festa"

É redundante ressaltar a qualidade das animações da Pixar. Qualquer cinéfilo assíduo ou mesmo o público apaixonado por animação reconhece a importância das obras que trazem o abajur nos créditos iniciais. A Pixar é responsável por verdadeiros clássicos do cinema, tais como a trilogia "Toy Story". Recentemente, o estúdio vem buscando renovar suas histórias, introduzindo novos universos maravilhosos que chegam às telonas. Os últimos três filmes, entretanto, não obtiveram muito sucesso de público e crítica. "O Bom Dinossauro", "Procurando Dory" e "Carros 3" caminharam longe do brilho que o estúdio pode alcançar. A obra mais recente com imenso valor artístico é "Divertida Mente", que configura-se como um intenso estudo das emoções humanas. Felizmente, "Coco" (que em português foi traduzido para "Viva: A Vida é uma Festa" por motivos óbvios) retoma o gigantesco potencial emotivo que faz com que o público lembre com carinho de obras como "Up" e "Wall-E". Chegando aos cinemas brasileiros na primeira semana de Janeiro, o filme acompanha o garotinho Miguel, apaixonado por música, mas impedido de concretizar seus sonhos devido ao passado de sua família que, agora, é avessa a qualquer tipo de melodia. Durante o "Dia de Los Muertos", Miguel viaja até o Mundo dos Mortos e embarca em uma jornada para retornar à sua família. Para isso, o menino conta com a ajuda de um vira-lata e do esqueleto Hector.

A primeira coisa que merece destaque no filme é sua relevância cultural. É louvável um estúdio do tamanho da Disney promover uma obra que reverencia a cultura mexicana de forma tão delicada. A valorização da comida local, as tradições familiares mexicanas, o feriado nacional, tudo é tratado com muito esmero pelo diretor. E mais: a mitologia presente no roteiro contribui para embasar todos os costumes desse povo. Em tempos tão conturbados como os atuais, onde líderes populistas estimulam a xenofobia e a construção de muros, "Coco" permite ao grande público conhecer um pouco mais da interessantíssima tradição mexicana em aliança a um roteiro repleto de camadas. Este, que possui 6 escritores, introduz o menino Miguel de uma forma tão natural que o espectador se apega às suas angústias de forma quase que imediata. E sua jornada, além de fascinante, é marcada por um arco muito bem desenvolvido. Todas as viradas dramáticas, os momentos de euforia, de tensão e de emoção são brilhantemente intercalados de modo a deixar o filme com um ritmo ideal. Mas se o protagonista teve um ótimo desenvolvimento, os coadjuvantes não ficam para trás. O esqueleto Hector apresenta uma jornada árdua e comovente. Sua aparência jovial e desleixada do início vai dando espaço a uma angústia contida, consequência do peso de suas ações. Pode-se dizer que, por mais que Hector não esteja mais vivo, a mitologia do filme o apresenta como o mais humano de todos. Todavia, mesmo com tamanha carga dramático-existencialista, a animação encontra espaço para alívios cômicos certeiros, capazes de causar um sorriso nos espectadores. O roteiro consegue suavizar, assim, o peso da história, porém sem prejudicar, de forma alguma, seu impacto.

Desse modo, o diretor Lee Unkrich ("Toy Story 3") é hábil para construir um universo completamente novo, mas sem permanecer nos clichês. Confiando na qualidade de seus animadores, Unkrich passeia pelos cenários como forma de apresentar o Mundo dos Mortos, sem valer de uma narração em-off para explicar determinados acontecimentos. A direção é tão imersiva que tal mundo parece palpável, mesmo que o excesso de cores e o traço caricato dos personagens nos chamem a atenção de um mundo fantasioso. Esse é o grande mérito da animação: mesmo que o público reconheça os traços fantásticos e cartunescos daquele mundo, a naturalidade da direção e a competência do roteiro permitem uma total viagem imersiva. Aliás, o ritmo do longa é enormemente facilitado pela boa trilha sonora e pelas belas músicas que, mais uma vez, homenageiam os mexicanos. Como não sair do cinema sem a canção "Remember Me" na cabeça? O diretor consegue intercalar a presença da música durante toda a metragem e a mudança dos significados que ela apresenta durante a obra realça a meticulosidade do trabalho dos roteiristas. Se no início ela é apresentada como um sucesso absoluto, ao final descobrimos a sua real inspiração. E a cena mais bonita do filme remete justamente a esse quesito. Afinal, as músicas, antes de pertencerem aos fãs, pertencem aos seus compositores, baseados em suas inspirações. Essa emoção particular transmitida por cada música é que faz ela ser tão aceita (ou não) pelos ouvintes. E a leveza de "Remember Me" justifica seu amplo alcance. 

Em aliança a tudo isso, um bom filme de animação da Pixar costuma deixar uma mensagem importante para seu público alvo (infantil). Em "Viva - A Vida é uma Festa" inicialmente somos convidados a seguir nossos sonhos, sem se importar com as consequências de nossas ações. Porém, com o desenrolar da história, percebemos que na vida nem tudo é tão romantizado assim. Cada escolha traz uma consequência e, se ela for feita de forma impulsiva, tais consequências podem ser irreparáveis. Nesse sentido, o filme emula para uma total confiança na família. É importante seguir os sonhos, mas sem nunca abandonar a família e, principalmente, sem esquecer do amor que essas relações permeiam. O genial disso tudo é que a mensagem é facilmente captada, mas sem obviedade. Apenas acompanhando-se a jornada de Miguel até o fim o público consegue conceber tal ensinamento. O novo filme da Pixar demonstra-se deveras importante ao abordar a necessidade do cuidado com a família e, acima de tudo, ao valorizar a cultura mexicana em tempos tão conturbados para os estadunidenses, por meio de um roteiro perfeito, um visual arrebatador e um grande apreço quase metalinguístico pela importância da música no cotidiano das pessoas. 

Nota: 

- João Hippert

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