segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Crítica de "The Post: A Guerra Secreta"

Uma obra cinematográfica é composta por vários aspectos técnicos e artísticos que, quando colocados da maneira que o idealizador previu, tornam a experiência de ir ao cinema muito marcante. O impacto de uma trilha sonora, o deleite de uma fotografia bem realizada, a agilidade na edição e montagem - tudo isso é essencial para o bom funcionamento de um filme, independentemente do gênero a qual pertença. Entretanto, algumas categorias recebem mais destaque, justamente, por possuírem mais prestígio quanto ao público devido ao enorme apego que rostos conhecidos acarretam. Claramente estou falando da categoria de atuação principal, além do diretor, é claro. "The Post" surpreende já na sua chamada por reunir, provavelmente, o tripé mais talentoso da Era Contemporânea do cinema estadunidense: Steven Spielberg na direção, Meryl Streep como atriz principal e Tom Hanks como ator principal. Aliado ao trio, está o disputado roteiro de Liz Hannah e Josh Singer, que conta a história de bastidores do jornal Washington Post em meio a um escândalo político referente ao presidente Nixon e a Guerra do Vietnã. Uma trama de tamanha preponderância histórica e um elenco tão estrelado claramente chamariam a atenção da Academia - e não foi surpresa alguma o filme ter tido 2 indicações ao Oscar. Primeiramente, é evidente a semelhança de "The Post" com "Spotlight" e, por isso, as comparações são quase inevitáveis. Mas se naquele filme faltava um pulso mais firme de diretor, aqui não falta.

Steven Spielberg, mesmo com os vários filmes que não fizeram tanto sucesso de público e crítica (só de lembrar de "O Bom Gigante Amigo" já me dá calafrios), é um dos maiores diretores da história do cinema mundial. Responsável por clássicos como "E.T.", "O Resgate do Soldado Ryan", "Tubarão", "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Jurassic Park", dentre inúmeros outros, o diretor parece se reinventar quando busca contar histórias novas que apresentem respaldo histórico. O último bom trabalho do diretor havia sido "Ponte dos Espiões" que corrobora essa ideia. Aqui, a direção de Spielberg segue seu padrão: câmera fluida, sem muitos exageros e com bastante foco nos atores. Sua maneira limpa de conduzir os movimentos de câmera permite ao espectador se deliciar com o excelente design de produção do filme e sua ambientação, o que potencializa a veracidade dos fatos. Mesmo assim, o diretor não abre mão de suas rimas visuais que tanto agradam aos fãs. Um exemplo de construção narrativa está presente na própria personagem Kay Graham (Meryl Streep) - a dona do jornal que, em meio a um ambiente extremamente misógino, parece não ter voz, tampouco poder de decisão. Repare como em uma cena de diálogo, no início do longa, a personagem parece estar sendo esmagada pelos homens da sala e a imponência de tal sociedade machista parece silenciá-la. Por outro lado, em outra cena, Kay desce uma escada depois de um acontecimento importante e é admirada pelas mulheres presentes. Esse salto narrativo contribui tanto para o engrandecimento do arco da personagem, tanto para a habilidade de Spielberg em criar momentos memoráveis, elevando a qualidade artística da obra.

Tratando-se de roteiro, o maior problema do filme reside no esforço em deixar o espectador preso à história. Como o longa é baseado em uma história real, os acontecimentos já são premeditados e isso, até certo ponto, chega a prejudicar o filme. O segundo ato tem um ritmo defasado e faz com que a obra pareça ter uma duração maior do que a que realmente tem. Mesmo que não seja um problema em termos estruturais, a oscilação de ritmo dificulta a linearidade da alternância dos momentos de tensão. Mesmo assim, esse roteiro na mão de um diretor qualquer teria muita chance de fracasso. Contudo, Spielberg, sendo extremamente confiante do que pode fazer, consegue promover uma experiência edificante, muito por conta da excelência de seu elenco. Meryl Streep está mais uma vez fabulosa, interpretando uma mulher cheia de camadas que, com o passar da projeção, entende o seu papel na trama e busca fazer algo a respeito. Contracenando com ela, Tom Hanks faz, mais uma vez, o tipo de profissional ideal; aquele que nunca desiste de seus ideais profissionais, mesmo que isso valha a sua própria liberdade. Tratando-se de um personagem desenvolvido para ter um senso de honra elevado, a escolha por Tom Hanks foi acertadíssima, tendo em vista a confiança que o ator inspira. O elenco coadjuvante também tem relevância, com destaque para Bob Odenkirk. Outro ponto forte da metragem é a trilha sonora atuante, que, quando combinada com uma montagem bem feita, é capaz de realizar os "movie moments" tão presentes na filmografia de Spielberg. E o fato de ser John Williams comandando essa orquestra novamente parece algo redundante a ser dito.

Sendo assim, mesmo com seus acertos técnicos e de atuação, o longa ganha força é com a sua mensagem. Até que ponto o governo deve intervir na liberdade de imprensa? Ao tratar dessa pergunta, o diretor faz uma verdadeira homenagem ao jornalismo sério e honesto, demonstrando a importância de uma imprensa destemida e comprometida com a verdade - sem pensar em privilégios pessoais decorrentes de alianças com políticos. Assim, a publicação dos documentos referentes à participação dos EUA na Guerra do Vietnã foi crucial para alertar a população sobre os enganos que o governo cometia, fato que deu maior legitimidade à democracia estadunidense. O compromisso daqueles que arriscaram seus empregos e suas liberdades em prol de um ideal é posto em evidência pelo filme. Como diria Graham, "As notícias de um jornal são o primeiro rascunho da História". Steven Spielberg parece compreender isso nessa que é uma grande ode ao jornalismo, repleta de boas atuações e que conta com um diretor totalmente convicto de suas decisões.

Nota: 

- João Hippert


domingo, 14 de janeiro de 2018

Crítica de "O Destino de uma Nação"

O tema da Segunda Guerra Mundial é um dos mais queridos pelos cineastas do mundo inteiro, principalmente pelos estadunidenses, que visam, por meio dessas obras, reforçar seu soft power ao redor do mundo. Contudo, o cinema britânico também se destaca na elaboração de obras que remetam ao período, como foi o caso de Cristopher Nolan em "Dunkirk" e agora Joe Wright em "O Destino de uma Nação" (do original "Darkest Hour"). Indicado a diversas premiações, tais como o Globo de Ouro e o BAFTA, além de ser forte candidato a uma indicação da Academia, o filme retrata a trajetória de Winston Churchill, interpretado por Gary Oldman, como primeiro-ministro inglês, desde o momento de sua posse até o momento da famosa retirada de Dunquerque (retratada tão bem por Nolan). Porém, se "Dunkirk" envolve o espectador, por meio de uma direção eficiente e de um roteiro ousado, "O Destino de uma Nação" mostra-se frio, confuso e, até mesmo, perdido quanto ao seu ritmo. Mesmo se tratando de uma produção que visa ambientes fechados ao retratar decisões políticas, o filme torna-se, gradativamente, um fardo para o espectador, tendo em vista a imensa dificuldade da montagem e da própria direção em dar agilidade para o filme - ou até mesmo criar gags que tornem a experiência um pouco mais entusiasmante.

É claro que o roteiro de Anthony McCarten segue seu papel de retratar fidedignamente todos os acontecimentos históricos, assim como a vida pessoal de Churchill, seus vícios e seu posicionamento político que, embora controverso, foi vital para a sobrevivência da Grã Bretanha contra o avanço do Terceiro Reich. Porém, McCarten se limita somente a isso e, tratando-se de uma produção cinematográfica, cuja função também reside no entretenimento, o público se vê constantemente sobrecarregado. E não é pelo fato de ser inteiramente pautado na veracidade dos fatos; o filme alemão "A Queda", por exemplo, passa-se quase que por inteiro dentro do bunker nazista, mas a direção e o roteiro contribuem para um ritmo ágil, que potencializa o nível de interesse pela obra. Apesar de Churchill ser um personagem deveras importante para o desenrolar da Guerra e para a virada dos Aliados, o longa britânico deveria ter a habilidade de inserir elementos narrativos que engrandecessem sua história, de modo a dar vigor para a obra. Um exemplo extremamente bem realizado disso é "O Jogo da Imitação" que, apesar de se situar no lugar comum da história real, apresenta elementos que aumentam o caráter artístico da obra. Em "O Destino de uma Nação", existem duas ou três cenas, no máximo, em que o espectador fica com o olhar fixo na tela - muito pelo fato do elenco estar ótimo. Essa inconstância sequencial dá ao filme uma "barriga" desnecessária e, com o passar do tempo, a preocupação deixa de estar com o andamento da história, mas sim com o seu fim.

Por outro lado, existem alguns aspectos cinematográficos que salvam o filme de uma catástrofe completa. A fotografia, o design de produção, o figurino, a maquiagem, a trilha sonora e a direção de arte, firmemente supervisionados pelo diretor Joe Wright, dão ao filme o tom necessário: todas as tonalidades de cor, as músicas e as roupas se assemelham muito ao retrato da época, o que concretiza o ideal do diretor em realizar uma volta ao passado. Por outro lado, a luz vermelha em determinada cena ou a câmera lenta acompanhando as pessoas na rua dão indícios de uma possibilidade mais qualitativa, porém Joe Wight se prende ao roteiro enfadonho e tedioso, fazendo com que sua câmera ofereça temas visuais impactantes em pouquíssimas oportunidades. Seu grande acerto refere-se à direção de seu protagonista Gary Oldman que está, muito provavelmente, realizando a atuação de seu Oscar. Em aliança ao excelente trabalho de maquiagem, Oldman nos provê um Churchill multifacetado, ora inseguro, ora confiante ao extremo. Além disso, mesmo com os trejeitos clássicos do ex primeiro-ministro, o ator afasta-se do senso comum de transformá-lo em alguém caricato. É perceptível o árduo nível de estudo de seu protagonista, sendo a cena do discurso de Churchill a mais memorável de toda a metragem. E chega em um momento da película que é simplesmente impossível separar o ator do personagem. Tudo flui de maneira tão orgânica que, em breves momentos, devido à genialidade da performance de Oldman, o filme dá bons respiros. Pena que tais respiros são breves e são rapidamente sufocados pela monotonia do script.

Desse modo, "O Destino de uma Nação" é fraco não pelo que é em si, mas pelo potencial que apresentava e pela qualidade daqueles envolvidos na obra. Claramente, é impossível comparar esse tipo de filme com algum que represente a guerra como ela é nos campos de batalha, mas "O Destino de uma Nação" mostra-se díspar daqueles que podemos considerar os melhores do gênero. A verdade é que falta uma identidade narrativa clara - e a dificuldade do roteiro em fazer com que as viradas dramáticas fiquem impactantes prejudicam ainda mais a obra. Infelizmente Gary Oldman será lembrado por um filme mediano, mesmo que tenha apresentado a atuação de sua vida. Mesmo assim, é inegável a importância do longa no que consta a memória narrativa, sendo bastante didático em relação ao ambiente da guerra. O problema reside, de fato, no valor de entretenimento e, até mesmo, artístico. Por meio de roteiro monótono e ritmo dificultado, "O Destino de uma Nação" se vale apenas de sua preponderância histórica e da primorosa atuação de seu protagonista.

Nota: 

- João Hippert

sábado, 13 de janeiro de 2018

Crítica de "Viva: A Vida é uma Festa"

É redundante ressaltar a qualidade das animações da Pixar. Qualquer cinéfilo assíduo ou mesmo o público apaixonado por animação reconhece a importância das obras que trazem o abajur nos créditos iniciais. A Pixar é responsável por verdadeiros clássicos do cinema, tais como a trilogia "Toy Story". Recentemente, o estúdio vem buscando renovar suas histórias, introduzindo novos universos maravilhosos que chegam às telonas. Os últimos três filmes, entretanto, não obtiveram muito sucesso de público e crítica. "O Bom Dinossauro", "Procurando Dory" e "Carros 3" caminharam longe do brilho que o estúdio pode alcançar. A obra mais recente com imenso valor artístico é "Divertida Mente", que configura-se como um intenso estudo das emoções humanas. Felizmente, "Coco" (que em português foi traduzido para "Viva: A Vida é uma Festa" por motivos óbvios) retoma o gigantesco potencial emotivo que faz com que o público lembre com carinho de obras como "Up" e "Wall-E". Chegando aos cinemas brasileiros na primeira semana de Janeiro, o filme acompanha o garotinho Miguel, apaixonado por música, mas impedido de concretizar seus sonhos devido ao passado de sua família que, agora, é avessa a qualquer tipo de melodia. Durante o "Dia de Los Muertos", Miguel viaja até o Mundo dos Mortos e embarca em uma jornada para retornar à sua família. Para isso, o menino conta com a ajuda de um vira-lata e do esqueleto Hector.

A primeira coisa que merece destaque no filme é sua relevância cultural. É louvável um estúdio do tamanho da Disney promover uma obra que reverencia a cultura mexicana de forma tão delicada. A valorização da comida local, as tradições familiares mexicanas, o feriado nacional, tudo é tratado com muito esmero pelo diretor. E mais: a mitologia presente no roteiro contribui para embasar todos os costumes desse povo. Em tempos tão conturbados como os atuais, onde líderes populistas estimulam a xenofobia e a construção de muros, "Coco" permite ao grande público conhecer um pouco mais da interessantíssima tradição mexicana em aliança a um roteiro repleto de camadas. Este, que possui 6 escritores, introduz o menino Miguel de uma forma tão natural que o espectador se apega às suas angústias de forma quase que imediata. E sua jornada, além de fascinante, é marcada por um arco muito bem desenvolvido. Todas as viradas dramáticas, os momentos de euforia, de tensão e de emoção são brilhantemente intercalados de modo a deixar o filme com um ritmo ideal. Mas se o protagonista teve um ótimo desenvolvimento, os coadjuvantes não ficam para trás. O esqueleto Hector apresenta uma jornada árdua e comovente. Sua aparência jovial e desleixada do início vai dando espaço a uma angústia contida, consequência do peso de suas ações. Pode-se dizer que, por mais que Hector não esteja mais vivo, a mitologia do filme o apresenta como o mais humano de todos. Todavia, mesmo com tamanha carga dramático-existencialista, a animação encontra espaço para alívios cômicos certeiros, capazes de causar um sorriso nos espectadores. O roteiro consegue suavizar, assim, o peso da história, porém sem prejudicar, de forma alguma, seu impacto.

Desse modo, o diretor Lee Unkrich ("Toy Story 3") é hábil para construir um universo completamente novo, mas sem permanecer nos clichês. Confiando na qualidade de seus animadores, Unkrich passeia pelos cenários como forma de apresentar o Mundo dos Mortos, sem valer de uma narração em-off para explicar determinados acontecimentos. A direção é tão imersiva que tal mundo parece palpável, mesmo que o excesso de cores e o traço caricato dos personagens nos chamem a atenção de um mundo fantasioso. Esse é o grande mérito da animação: mesmo que o público reconheça os traços fantásticos e cartunescos daquele mundo, a naturalidade da direção e a competência do roteiro permitem uma total viagem imersiva. Aliás, o ritmo do longa é enormemente facilitado pela boa trilha sonora e pelas belas músicas que, mais uma vez, homenageiam os mexicanos. Como não sair do cinema sem a canção "Remember Me" na cabeça? O diretor consegue intercalar a presença da música durante toda a metragem e a mudança dos significados que ela apresenta durante a obra realça a meticulosidade do trabalho dos roteiristas. Se no início ela é apresentada como um sucesso absoluto, ao final descobrimos a sua real inspiração. E a cena mais bonita do filme remete justamente a esse quesito. Afinal, as músicas, antes de pertencerem aos fãs, pertencem aos seus compositores, baseados em suas inspirações. Essa emoção particular transmitida por cada música é que faz ela ser tão aceita (ou não) pelos ouvintes. E a leveza de "Remember Me" justifica seu amplo alcance. 

Em aliança a tudo isso, um bom filme de animação da Pixar costuma deixar uma mensagem importante para seu público alvo (infantil). Em "Viva - A Vida é uma Festa" inicialmente somos convidados a seguir nossos sonhos, sem se importar com as consequências de nossas ações. Porém, com o desenrolar da história, percebemos que na vida nem tudo é tão romantizado assim. Cada escolha traz uma consequência e, se ela for feita de forma impulsiva, tais consequências podem ser irreparáveis. Nesse sentido, o filme emula para uma total confiança na família. É importante seguir os sonhos, mas sem nunca abandonar a família e, principalmente, sem esquecer do amor que essas relações permeiam. O genial disso tudo é que a mensagem é facilmente captada, mas sem obviedade. Apenas acompanhando-se a jornada de Miguel até o fim o público consegue conceber tal ensinamento. O novo filme da Pixar demonstra-se deveras importante ao abordar a necessidade do cuidado com a família e, acima de tudo, ao valorizar a cultura mexicana em tempos tão conturbados para os estadunidenses, por meio de um roteiro perfeito, um visual arrebatador e um grande apreço quase metalinguístico pela importância da música no cotidiano das pessoas. 

Nota: 

- João Hippert