sábado, 23 de dezembro de 2017

Crítica de "Com Amor, Van Gogh"

Vincent Van Gogh é, possivelmente, o maior artista de todos os tempos. Situado na época do pós-impressionismo, o holandês passava para suas telas o sentimento de desconcerto intrínseco à sua alma. Como todo grande gênio, Van Gogh tinha dificuldades de relacionamento , principalmente, devido às suas alucinações que os faziam procurar por ajuda. A mais famosa delas, por exemplo, foi a orelha cortada que é, infelizmente, o que a maioria das pessoas sabe sobre o artista. A genialidade dele, todavia, vai muito além da capacidade de expressar suas contradições na tela de forma genuína. Vincent Van Gogh era um pintor auto-didata cuja carreira teve início depois da vida adulta. Além disso, a sua forma de distorção da realidade exterior como forma de retratar sua angústia foi o ponto de partida para muitos pintores expressionistas subsequentes, fato que dá à Van Gogh o título de “pai da arte moderna”.

É nesse contexto que surge a animação “Loving, Vincent”. Note como o título original da obra busca retratar o pintor de forma mais íntima, mais humana, se afastando do peso que o sobrenome carrega (equivocadamente a tradução brasileira desfaz esse papel). A própria escolha do título elucida a proposta do filme em buscar compreender as aflições de um gênio. O filme é um verdadeira “road-movie” acerca dos momentos derradeiros da vida do pintor, mas isso nunca fica estafante. É perceptível como o roteiro, ao apresentar diversos personagens da vida de Vincent, consegue desenvolver o pensamento de cada um relação a ele, demonstrando como o convívio com uma pessoa fora de série afeta as pessoas. Nesse ínterim, “Com Amor, Van Gogh” é muito mais universal do que aparental. Afinal, o brilhantismo, ao mesmo tempo que atrai admiração, incita ódio. Os roteiristas compreendem isso e, pela abordagem feita em relação ao relato de cada personagem, criam um ambiente muito mais realista e dúbio, já que não existem mentiras cruas; apenas visões diferentes sobre uma mesma realidade. Essa estratégia de escrita promove uma bela rima visual com a própria arte de Van Gogh, tendo em vista que tudo depende da subjetividade do idealizador.

Mesmo assim, apesar das qualidades do roteiro, o longa se notabiliza pela sua incrível capacidade artística. Trata-se do primeiro filme pintado inteiramente a mão e são quase 90 minutos de puro deleite visual. A direção de arte apresenta o compente trabalho de aliar o realismo que a abordagem biográfica do filme precisa ter à pura idealização estética. Tal estratégia reiterada pela direção de Dorota Kobiela e Hugh Welckman serve como uma experiência sensitiva sem precedentes. Durante a película, muitas vezes, o espectador esquece que o filme é animado, o que reforça a ideia de verossimilhança pregada pela direção. Concomitantemente, os traços dos pincéis de Van Gogh são facilmente identificados na composição das cenas, o que denota uma metalinguagem belíssima. Afinal,  a história de Van Gogh sendo contada sob a ótica de seus próprios trabalhos é algo admirável. Dessa forma, é admirável o trabalho de estudo da produção desse filme, tendo em vista que, desde o carteiro até o céu estrelado, tudo é uma referência ao pintor. Ao mesmo tempo, o uso de sua técnica mostra-se como um artifício de engrandecimento da história, mas nunca sua resolução em si.


Portanto, “Com Amor, Van Gogh” é uma experiência cinematográfica extremadamente ousada, tornando-se a animação mais poderosa do ano e, possivelmente, uma das melhores dos últimos tempos. A habilidade dos pintores usados no filme serve para enaltecer a capacidade artística de seu protagonista, porém nunca se prende somente a isso. O filme consegue caminhar com suas próprias pernas ao construir um ritmo agradável e um crescente ambiente de tensão totalmente inesperado. “Com Amor, Van Gogh”, através do uso perfeito das técnicas da animação pintada à mão, presta uma grande referência ao grande pintor, embora as qualidades técnicas e artísticas transcendam ao servirem como plano de fundo para uma bela narrativa.

Nota: 



- João Hippert



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