Vincent Van Gogh
é, possivelmente, o maior artista de todos os tempos. Situado na época do
pós-impressionismo, o holandês passava para suas telas o sentimento de desconcerto
intrínseco à sua alma. Como todo grande gênio, Van Gogh tinha dificuldades de
relacionamento , principalmente, devido às suas alucinações que os faziam
procurar por ajuda. A mais famosa delas, por exemplo, foi a orelha cortada que
é, infelizmente, o que a maioria das pessoas sabe sobre o artista. A
genialidade dele, todavia, vai muito além da capacidade de expressar suas
contradições na tela de forma genuína. Vincent Van Gogh era um pintor
auto-didata cuja carreira teve início depois da vida adulta. Além disso, a sua
forma de distorção da realidade exterior como forma de retratar sua angústia
foi o ponto de partida para muitos pintores expressionistas subsequentes, fato
que dá à Van Gogh o título de “pai da arte moderna”.
É nesse contexto
que surge a animação “Loving, Vincent”. Note como o título original da obra
busca retratar o pintor de forma mais íntima, mais humana, se afastando do peso
que o sobrenome carrega (equivocadamente a tradução brasileira desfaz esse
papel). A própria escolha do título elucida a proposta do filme em buscar
compreender as aflições de um gênio. O filme é um verdadeira “road-movie”
acerca dos momentos derradeiros da vida do pintor, mas isso nunca fica
estafante. É perceptível como o roteiro, ao apresentar diversos personagens da
vida de Vincent, consegue desenvolver o pensamento de cada um relação a ele,
demonstrando como o convívio com uma pessoa fora de série afeta as pessoas.
Nesse ínterim, “Com Amor, Van Gogh” é muito mais universal do que aparental.
Afinal, o brilhantismo, ao mesmo tempo que atrai admiração, incita ódio. Os
roteiristas compreendem isso e, pela abordagem feita em relação ao relato de
cada personagem, criam um ambiente muito mais realista e dúbio, já que não
existem mentiras cruas; apenas visões diferentes sobre uma mesma realidade.
Essa estratégia de escrita promove uma bela rima visual com a própria arte de
Van Gogh, tendo em vista que tudo depende da subjetividade do idealizador.
Mesmo assim,
apesar das qualidades do roteiro, o longa se notabiliza pela sua incrível
capacidade artística. Trata-se do primeiro filme pintado inteiramente a mão e
são quase 90 minutos de puro deleite visual. A direção de arte apresenta o
compente trabalho de aliar o realismo que a abordagem biográfica do filme
precisa ter à pura idealização estética. Tal estratégia reiterada pela direção
de Dorota Kobiela e Hugh Welckman serve como uma experiência sensitiva sem
precedentes. Durante a película, muitas vezes, o espectador esquece que o filme
é animado, o que reforça a ideia de verossimilhança pregada pela direção.
Concomitantemente, os traços dos pincéis de Van Gogh são facilmente
identificados na composição das cenas, o que denota uma metalinguagem
belíssima. Afinal, a história de Van Gogh sendo contada sob a ótica de
seus próprios trabalhos é algo admirável. Dessa forma, é admirável o trabalho
de estudo da produção desse filme, tendo em vista que, desde o carteiro até o
céu estrelado, tudo é uma referência ao pintor. Ao mesmo tempo, o uso de sua
técnica mostra-se como um artifício de engrandecimento da história, mas nunca
sua resolução em si.
Portanto, “Com
Amor, Van Gogh” é uma experiência cinematográfica extremadamente ousada,
tornando-se a animação mais poderosa do ano e, possivelmente, uma das melhores
dos últimos tempos. A habilidade dos pintores usados no filme serve para
enaltecer a capacidade artística de seu protagonista, porém nunca se prende
somente a isso. O filme consegue caminhar com suas próprias pernas ao construir
um ritmo agradável e um crescente ambiente de tensão totalmente inesperado.
“Com Amor, Van Gogh”, através do uso perfeito das técnicas da animação pintada
à mão, presta uma grande referência ao grande pintor, embora as qualidades
técnicas e artísticas transcendam ao servirem como plano de fundo para uma bela
narrativa.
- João Hippert
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