terça-feira, 1 de agosto de 2017

Crítica de "Dunkirk"

A Segunda Guerra Mundial talvez seja o tema mais batido do cinema hollywoodiano. Isso porque a contundente vitória estadunidense ao final da guerra permitiu ao país assumir a posição de superpotência - fato que se alastra até os dias atuais. Assim, a Segunda Guerra representa o triunfo final dos EUA e sua vitória é motivo de muito orgulho para o povo americano, sendo traduzida através de inúmeros longa-metragens produzidos acerca do tema. O mais recente "Até o Último Homem", por exemplo, é um claro exemplo dessa necessidade, muitas vezes exacerbada, da heroificação do cidadão americano, de forma petulante e arrogante, na maior parte do tempo. Por outro lado, diretores que apresentam uma sensibilidade aflorada e habilidade em contar boas histórias tendem a deixar obras inesquecíveis, verdadeiros clássicos da sétima arte. É o caso do grande Steven Spielberg, idealizador de filmes como "A Lista de Schindler", "O Império do Sol" e "O Resgate do Soldado Ryan". Eis que surge Cristopher Nolan, em 2017, querendo mostrar ser capaz de realizar um bom filme de guerra, que o coloque no patamar dos maiores diretores da história.

É inegável que o inglês é um dos melhores cineastas atuais, tendo em vista sua já extensa filmografia (ele tem apenas 47 anos). Nolan é responsável pela icônica trilogia do Batman, além de ter realizado excelentes películas, tais como "O Grande Truque", "Amnésia", "A Origem" e "Interestelar". Em seu primeiro filme histórico, Nolan demonstra que sua experiência em montar bons cenários foi extremamente válida. "Dunkirk" retrata a batalha de mesmo nome, ocorrida no litoral francês. Basicamente essa é a premissa que acompanha todo o longa. Todavia, a excelência do filme está contida nos devaneios, os pequenos detalhes que realmente importam em uma guerra. É como se estivéssemos estudando a Revolução Francesa sem focar nos principais (Robespierre, Napoleão, e etc), mas sim se acompanhássemos aqueles que tomaram a Bastilha, aqueles que foram assassinados durante a revolução. "Dunkirk" foge do estereótipo ao conter diversos núcleos de narrativas, compostas por soldados, civis e oficiais, retratando-os com extrema humanidade e se caracterizando como um verdadeiro relato de sobrevivência.

Nesse quesito, o filme acerta ao evitar a extrema "vilanização" dada aos nazistas, já que, por toda a película, apenas acompanhamos os ingleses tentando voltar para a casa, assim como qualquer um faria. Não existe menção à crueldade nazista ou ao motivo da batalha estar acontecendo. O filme não é presunçoso a ponto de querer explicar a guerra (como muitos fazem), mas se limita a desenvolver apenas a batalha de Dunkirk, e os homens que lutaram nela. O roteiro é inteligente ao economizar nos diálogos - a maior parte do filme é apenas sonorizada pela trilha e pelos barulhos de bombas, tiros e explosões. Tal recurso sonoro reitera a veracidade da guerra, sua crueldade e visceralidade, onde apenas a sobrevivência importa. A mixagem de som e a edição encaixam-se perfeitamente nesse aspecto. Já a trilha sonora talvez seja um dos pontos altos da metragem; é simplesmente impossível não se sentir apreensivo com a música. Aliado a isso está a montagem fenomenal, capaz de intercalar os diferentes núcleos de personagens de forma dinâmica, sem prejudicar, de forma alguma, o ritmo do filme. A direção de Nolan é extremamente consciente no que quer abordar: os planos longos e abertos são utilizados de forma frequente, mas inseridos em um contexto plausível e com uma movimentação de fácil entendimento para o espectador. O uso da câmera tremida em momentos oportunos também reforça a imersão do espectador no ambiente hostil da guerra, gerando uma sensação de angústia e impotência.

A paleta acinzentada de cores aliada aos belos planos aéreos tornam a fotografia de "Dunkirk" maravilhosa, um verdadeiro espetáculo visual. A equipe técnica do longa realizou um brilhante trabalho. Contudo, um filme só é capaz de perdurar no imaginário do público se sua mensagem for forte. E "Dunkirk" consegue fazer isso. O filme acompanha homens comuns durante a guerra, mas não apela para o excesso de melodrama. O fato de não existir nenhum protagonista reflete a vontade de Nolan em abordar não os ingleses ou os franceses, mas sim o ser humano em si. Afinal, em um momento de hostilidade como é uma batalha de tamanhas proporções, o comportamento humano é muitas vezes falho, covarde e insensível. Isso porque simplesmente não estamos preparados para encarar o nosso destino, e a possibilidade de sobreviver conta muito mais do que a vitória do país. Nolan mostra que, mesmo com aliados ao seu lado, em um contexto de tanta hostilidade a máxima é "cada um por si". Ao retratar os personagens de forma extremamente sensível e humanizada, o apego do público é muito intenso, o que contribui para o excelente andamento do longa. "Dunkirk" apresenta inúmeros aspectos técnicos que merecem exaltação, mas é o retrato de Nolan acerca do homem comum na guerra que torna o filme tão especial.

Nota: 



- João Hippert