domingo, 5 de fevereiro de 2017

Crítica de "Estrelas Além do Tempo"

A segregação racial dos EUA foi uma das situações mais nefastas que a Terra já viu. Negros e brancos sendo separados em todos os aspectos da sociedade era algo corriqueiro na sociedade norte-americana. Contudo, nos anos 60, através de figuras como a do Dr. Martin Luther King, o movimento pelos direitos civis cresceu exponencialmente e a luta dos negros, finalmente, apresentou resultados. É justamente nessa fase de transição que o filme, baseado no livro de Margot Lee Shetterly, se insere. Aqui, acompanhamos a história de três mulheres negras que trabalham nos computadores da NASA, e por meio de seus intelectos se fazem indispensáveis ao programa espacial norte-americano. É interessante vermos que não foram apenas os ativistas assíduos que ajudaram a modificar o padrão social.

Em termos de contexto histórico, o filme é deveras pertinente. Ao mesmo tempo que o roteiro consegue desenvolver muito bem o ambiente segregado do território estadunidense, também demonstra as impassibilidades da Corrida Espacial. O fato de sempre sermos apresentados às mais recentes façanhas do programa russo, faz com que o longa tenha um senso de urgência extremamente desejado. E, é nas entrelinhas, que a crítica social está inserida. Basta percebermos como para a protagonista Katherine Johnson tudo é muito mais difícil, mesmo uma pequena ida ao banheiro. Com o intuito de tornar essa labutação corriqueira, o filme apresenta, inúmeras vezes, o trajeto da personagem atrás de um banheiro especial para negros. Isso traz ao filme uma realidade esmagadora e deixa no espectador um sentimento melancólico. A crítica social bem feita sempre promove divagações sobre a própria realidade e o filme entende isso perfeitamente. 

Um dos problemas do roteiro, porém, é não saber o quanto quer contar da história de cada uma das personagens. Apesar de ser evidente que Katherine é a protagonista, os arcos de Dorothy e Mary às vezes tomam um peso desnecessário. Não é que a história de uma seja melhor do que as outras; pelo contrário: a luta por reconhecimento de todas é venerável. Contudo, ao oscilar muito entre as diversas histórias, o ritmo do longa fica defasado. Às vezes estamos submetidos a um momento de tensão e somos deslocados a um momento calmo demais, fazendo com que desejemos retornar ao arco anterior. Apesar dos 127 minutos do longa se apresentarem com uma fluidez interessante. esses pequenos momentos impedem o ritmo de ser perfeito. Outro problema é a trilha sonora, que, muitas vezes, se faz presente quando não deve e falta quando não pode. Uma história de drama e de superação merecia qualidades musicais que elevassem a emoção do público,

O elenco é algo a ser discutido. Taraji P. Henson, interpretando Katherine, talvez seja o seu ponto fraco. É claro que sua personagem é extremamente difícil, por apresentar diversas emoções contrastantes durante o longa. Henson não consegue, com clareza, fazer esses saltos dramáticos, o que tira, de algumas cenas, a naturalidade que o longa tinha proposto. O elenco de apoio, todavia, está excelente. Octavia Spencer apresenta uma atuação bem imponente, e seu senso de coletivismo é muito bem expressado, Kevin Costner também apresenta uma atuação segura e condizente com o personagem. O problema deste é ser tratado como uma espécie de herói, que realiza boas ações, mesmo sendo um chefe da NASA. No início ele é tratado como alguém impaciente e insensível, mas não é o que o filme mostra.

Pode-se dizer que o filme celebra diversos aspectos valorizados pelo estereótipo norte-americano como a superação e a meritocracia. Contudo, o roteiro tem a sensibilidade de criticar valores sociais repugnantes, o que tira do filme o status de "americanizado". As minúcias da direção de Theodore Melfi são responsáveis por criar uma grande empatia com o público, que acaba, inevitavelmente, torcendo para o sucesso estadunidense, somente por causa do apego às protagonistas. "Estrelas Além do Tempo" é um filme que, através de nuances de direção, torna-se historicamente ponderoso, conseguindo aliar crítica social a bom desenvolvimento de personagens.

Nota: 

-João Hippert

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