domingo, 19 de fevereiro de 2017

Crítica de "Aliados"

Robert Zemeckis talvez seja um dos diretores estadunidenses mais injustiçados pelo público. Não que existam muitos questionadores de seu trabalho, mas seu nome não é tão imortalizado como o de Spielberg, por exemplo. Basta lembrarmos que Zemeckis foi o diretor da trilogia "De Volta para o Futuro", do clássico "Forrest Gump" e do icônico "O Náufrago". Tal filmografia reforça a sua habilidade em contar boas histórias, acima de tudo. Depois de realizar o excelente "A Travessia", em 2015, Zemeckis retorna, aos 64 anos, com o filme "Aliados". A história acompanha Max Vatan (Brad Pitt) e Marianne Beauséjour (Marion Cotillard), um casal que se conhece durante uma missão em Marrocos, durante a II Guerra Mundial. Quando retornam para Londres, a relação entre eles é colocada em cheque, em decorrência das pressões da guerra.

Primeiramente, vale ressaltar o acerto em relação ao tema. Muitos filmes ambientados durante a Segunda Guerra prezam por retratar batalhas cruciais ou a vida de personagens importantes. "Aliados" chega com uma proposta diferente: trata-se de um filme tipicamente de espionagem, remetendo muitas vezes à franquia 007. Além disso, o contexto histórico, mesmo que seja um pano de fundo, é extremamente bem construído, tanto em termos narrativos quanto em relação à ambientação. Esta, por sinal, é perfeita. O uso de cores diferentes em ambientes diferentes dão ao filme um tom realista necessário, conseguindo transportar, com fluidez, o espectador para o tempo referido. O roteiro de Steven Knight consegue, além disso, retratar o cotidiano das pessoas em tempos de guerra. É muito corriqueiro assistirmos no filme momentos de relativa tranquilidade, até que os sinos ressoem e os ataques aéreos iniciem. Zemeckis tem a habilidade (e a experiência) de potencializar a tensão e a insegurança presentes no ambiente, através de planos fechados que incitam angústia.

Zemeckis também se destaca ao construir a relação entre o casal protagonista. Existe uma cena, por exemplo, em que vemos o olhar apaixonado de Max, até que a câmera se afasta e nos deparamos com a reação de Marianne. A câmera se afasta mais uma vez e percebemos que aquilo era um espelho. Podemos analisar esse jogo de câmera como uma metáfora visual, tendo como base o ditado "os olhos são o espelho da alma". É por meio desses pequenos devaneios, que um diretor consegue introduzir em sua obra momentos reflexivos. Talvez o único problema do filme seja o ritmo. O início é bem arrastado, e o roteiro toma um tempo relativamente grande para fixar pontos importantes para a trama. Tendo dito isso, o filme não será um deleite para todos, já que existem, evidentemente, cenas em demasia na projeção. Pode-se até argumentar que o ritmo cadenciado é proposital, observando o desfecho da narrativa, todavia os minutos a mais fazem diferença para o filme como um todo.

A trama espiã é excelente. Knight consegue introduzir pistas ao longo da projeção, mas o espectador está sempre um pé atrás do roteirista. Nesse jogo de "gato e rato" percebemos, ao atingirmos o clímax da história, que o filme tinha base para ter o desfecho que quisesse. O incremento de diversos detalhes durante o enredo possibilitaram que o espectador contasse com a dúvida do final até este acontecer. E quando acontece... Melhor parar por aqui. O elenco está competente, mas Cotillard e Pitt dominam o filme inteiro. Pitt apresenta uma atuação boa, mas que não difere muito do papel que o ator está acostumado a fazer. Ele apresenta bastante carisma, o que ajuda na empatia com o público. Quem realmente merece destaque é Cotillard. A atriz apresenta um desenvolvimento de personagem extremamente complexo, produzindo no espectador uma constante sensação de estranheza. A dubiedade construída pelo roteiro é aumentada com a entrega da atriz. "Aliados" conta com uma direção eficaz, roteiro bem amarrado, atores excelentes, porém o ritmo inicial problemático pesa ao final da projeção.

Nota: 

- João Hippert

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Crítica de "Estrelas Além do Tempo"

A segregação racial dos EUA foi uma das situações mais nefastas que a Terra já viu. Negros e brancos sendo separados em todos os aspectos da sociedade era algo corriqueiro na sociedade norte-americana. Contudo, nos anos 60, através de figuras como a do Dr. Martin Luther King, o movimento pelos direitos civis cresceu exponencialmente e a luta dos negros, finalmente, apresentou resultados. É justamente nessa fase de transição que o filme, baseado no livro de Margot Lee Shetterly, se insere. Aqui, acompanhamos a história de três mulheres negras que trabalham nos computadores da NASA, e por meio de seus intelectos se fazem indispensáveis ao programa espacial norte-americano. É interessante vermos que não foram apenas os ativistas assíduos que ajudaram a modificar o padrão social.

Em termos de contexto histórico, o filme é deveras pertinente. Ao mesmo tempo que o roteiro consegue desenvolver muito bem o ambiente segregado do território estadunidense, também demonstra as impassibilidades da Corrida Espacial. O fato de sempre sermos apresentados às mais recentes façanhas do programa russo, faz com que o longa tenha um senso de urgência extremamente desejado. E, é nas entrelinhas, que a crítica social está inserida. Basta percebermos como para a protagonista Katherine Johnson tudo é muito mais difícil, mesmo uma pequena ida ao banheiro. Com o intuito de tornar essa labutação corriqueira, o filme apresenta, inúmeras vezes, o trajeto da personagem atrás de um banheiro especial para negros. Isso traz ao filme uma realidade esmagadora e deixa no espectador um sentimento melancólico. A crítica social bem feita sempre promove divagações sobre a própria realidade e o filme entende isso perfeitamente. 

Um dos problemas do roteiro, porém, é não saber o quanto quer contar da história de cada uma das personagens. Apesar de ser evidente que Katherine é a protagonista, os arcos de Dorothy e Mary às vezes tomam um peso desnecessário. Não é que a história de uma seja melhor do que as outras; pelo contrário: a luta por reconhecimento de todas é venerável. Contudo, ao oscilar muito entre as diversas histórias, o ritmo do longa fica defasado. Às vezes estamos submetidos a um momento de tensão e somos deslocados a um momento calmo demais, fazendo com que desejemos retornar ao arco anterior. Apesar dos 127 minutos do longa se apresentarem com uma fluidez interessante. esses pequenos momentos impedem o ritmo de ser perfeito. Outro problema é a trilha sonora, que, muitas vezes, se faz presente quando não deve e falta quando não pode. Uma história de drama e de superação merecia qualidades musicais que elevassem a emoção do público,

O elenco é algo a ser discutido. Taraji P. Henson, interpretando Katherine, talvez seja o seu ponto fraco. É claro que sua personagem é extremamente difícil, por apresentar diversas emoções contrastantes durante o longa. Henson não consegue, com clareza, fazer esses saltos dramáticos, o que tira, de algumas cenas, a naturalidade que o longa tinha proposto. O elenco de apoio, todavia, está excelente. Octavia Spencer apresenta uma atuação bem imponente, e seu senso de coletivismo é muito bem expressado, Kevin Costner também apresenta uma atuação segura e condizente com o personagem. O problema deste é ser tratado como uma espécie de herói, que realiza boas ações, mesmo sendo um chefe da NASA. No início ele é tratado como alguém impaciente e insensível, mas não é o que o filme mostra.

Pode-se dizer que o filme celebra diversos aspectos valorizados pelo estereótipo norte-americano como a superação e a meritocracia. Contudo, o roteiro tem a sensibilidade de criticar valores sociais repugnantes, o que tira do filme o status de "americanizado". As minúcias da direção de Theodore Melfi são responsáveis por criar uma grande empatia com o público, que acaba, inevitavelmente, torcendo para o sucesso estadunidense, somente por causa do apego às protagonistas. "Estrelas Além do Tempo" é um filme que, através de nuances de direção, torna-se historicamente ponderoso, conseguindo aliar crítica social a bom desenvolvimento de personagens.

Nota: 

-João Hippert

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Crítica de "The Beatles: Eight Days a Week - The Touring Years"

Os Beatles talvez sejam a máxima do que pode ser entendido como uma cultura globalizada. É impressionante o impacto que aqueles 4 jovens músicos de Liverpool causaram no mundo. Seria um pleonasmo dizer que é a banda mais influente de todos os tempos - em todos os aspectos da arte, não só na música. O legado dos Beatles não estava nas músicas em si, mas no jeito como se portavam, seu instinto de rebeldia, que instigavam pessoas do mundo inteiro a admirá-los. O mais impressionante foi o curto tempo de turnê que tiveram (cerca de 4 anos). Por mais que a história dos garotos de Liverpool seja bastante conhecida, obras como "The Beatles: Eight Days a Week" potencializam a admiração à banda.

Uma das funções primordiais de um bom documentário é apresentar uma história, com comprovações históricas e documentos, que sejam pertinentes à proposta do diretor. E isso Ron Howard conduz com maestria. Apesar de muitos poderem alegar que os Beatles em si já seguram o filme, Howard apresenta um papel crucial no processo. Seu trabalho de entrevista concomitante ao som de músicas consagradas dão ao longa um ritmo extremamente ágil. Ao mesmo tempo que o espectador conhece um pouco as histórias de bastidores, a melodia de fundo torna aquele ambiente familiar. Outro mérito do documentário é saber separar a banda de cada integrante. Apesar de se passar durante os anos de turnê, o filme consegue dar um bom enfoque aos diferentes beatles. Somos apresentados aos diferentes trejeitos e sonhos de cada um - porém nunca esquecendo da sua importância juntos.

Esse estilo de direção ajuda muito na compreensão do próprio sucesso da banda. Ao conheceremos as individualidades dos astros, sabemos reconhecer como cada peça funciona em harmonia. Essa importância dos Beatles como grupo (na forma mais primordial da palavra) e não como um amontoado de pessoas com interesses comuns é um dos grandes diferenciais da banda. Basta analisarmos o fato de que, provavelmente, você sabe o nome de Ringo Starr, George Harrison, Paul McCartney e John Lennon. Mesmo os fãs, sabem reconhecer as individualidades dos artistas, mas sabem que a união deles é algo fantástico.

Outro aspecto que o filme enaltece á a chama "Beatlemania": aquele fervor que fazia com que pessoas esperassem em filas gigantescas para um ingresso. O sucesso era tamanho que já não era mais seguro fazer show em lugares fechados, sendo necessário a ida para um estádio de baseball. Foi assim que a primeira banda no mundo se apresentou em um estádio esportivo desse tamanho. Musicalmente, existe algo interessante aqui. Mesmo que os Beatles sejam uma unanimidade, cada pessoa tem suas músicas preferidas e sua fase predileta. Aqui, percebe-se uma subjetividade extrema na apresentação das canções. Parece que estamos ouvindo um compilado das músicas preferidas do diretor. Isso torna o trabalho surpreendentemente autoral, possibilitando que o público enxergue determinada canção de forma diferente. Ron Howard consegue, com habilidade, restaurar imagens antigas de shows e entrevistas, dando uma nova linguagem à banda. O documentário é excelente não só por se tratar dos Beatles, mas devido à inventividade do diretor em tornar o ritmo extremadamente dinâmico.

Nota: 

- João Hippert