domingo, 27 de novembro de 2016

Crítica de "A Chegada"

Espaço: a fronteira final. Talvez este seja o grande lema da ficção científica, instituído pela homônima série "Star Trek". O gênero de ficção científica sempre se preocupou em se voltar para o espaço a fim de entender as angústias terráqueas. Gênios da literatura como Isaac Asimov e Arthur C. Clarke já trabalharam com esses temas de forma espetacular. Como esquecer o clássico "2001: Uma Odisseia no Espaço?". Contudo, de tempos para cá, o gênero perdeu um pouco sua capacidade de reflexão metafísica e se acomodou com efeitos visuais vislumbrantes e cenas de ação empolgantes. Eis que chega "A Chegada" (peço perdão pelo trocadilho) e se afirma como um dos melhores filmes dos últimos anos, principalmente por mexer não só com o emocional do espectador, mas também com sua racionalidade e psique. O filme trata da chegada de 12 naves alienígenas à Terra e acompanha Louise Banks (Amy Adams), uma linguista, contratada pelo exército norte-americano para decodificar uma forma de comunicação com os extraterrestres. Apesar da premissa parecer simplista e até clichê (basta lembrar dos clássicos "Contato" e "Contatos Imediatos do 3° Grau"), o filme consegue apresentar um ritmo ideal, que apresenta reviravoltas e temas subjacentes.

A direção é do competentíssimo Denis Villeneuve. Seu repertório recente conta com os excelentes "Os Suspeitos", "O Homem Duplicado" e "Sicario". Trata-se de um diretor muito hábil em construir uma atmosfera arrebatadora. Devido ao mistério da chegada dos alienígenas, Villeneuve utiliza de uma paleta frívola e acinzentada, a fim de potencializar a tensão visualmente. Além disso, a trilha sonora é colocada pontualmente, deixando o espectador cada vez mais imerso no filme. O visual é bastante limpo e não muito futurista, o que dá ao longa uma veracidade imediatista capaz de assustar. Afinal, pelo que o filme mostra, não seria impossível uma nave chegar no nosso quintal amanhã. Em termos científicos, o longa consegue realizações fantásticas. Por meio da movimentação de câmera segura e o ritmo calmo, o diretor consegue prover uma cena primorosa, que trabalha com a diferença de gravidade. Afinal, se os seres humanos estão entrando em uma nave desconhecida, o que impede esta de apresentar uma gravidade diferente? Essas experimentações científicas engrandecem o filme e dão para ele um tom extremamente verossímil.

Aliás, verossimilhança é uma palavra definitiva. A sequência de acontecimentos que sucedem  a chegada das naves é tão orgânica que parece prever o comportamento dos humanos perante a tal situação. Apesar de não focar na reação dos contingentes populacionais, o longa consegue abordar, aqui e ali, as reações políticas, religiosas e culturais perante ao desconhecido. Seriam os alienígenas uma ameaça? Ou seriam apenas turistas, que desejam conhecer nossa cultura, natureza e etc? O filme consegue tomar bem seu tempo para explicações, não acelerando seu ritmo em nenhuma parte da projeção. Além disso, nem tudo é muito explicado, o que deixa o público tomar suas próprias conclusões. Trata-se de um filme inteligente que vê seu espectador de forma inteligente. Amy Adams merece destaque como protagonista. Toda a carga emocional do longa está em cima dela e sua atuação é extremamente emotiva. O arco dramático da personagem, mesmo que complexo e repleto de dilemas, é bem vivido pela atriz, que merece muito uma indicação ao Oscar. O elenco de apoio também está muito bem, com destaque a Jeremy Renner, interpretando Ian.

Como já dito, tecnicamente o filme não deixa a desejar. Mas é o roteiro que dá grandiosidade ao longa. Ora, nosso universo conhecível é dotado de 4 dimensões (além das 3 espaciais, existe o tempo). E se tivéssemos a capacidade de moldar o tempo? Ou melhor, se descobríssemos que o tempo pode ser analisado de forma não-linear? O roteiro explora muito bem teorias que envolvem o espaço-tempo, relacionando sempre com o arco da protagonista. Tal relação é feita de forma tão genial, que aspectos morais e éticos são revelados durante a projeção. Se fôssemos capazes de prever o futuro, nós mudaríamos alguma coisa? São questões como essa que remetem "A Chegada" aos grandes clássicos da ficção científica. Mesmo que apresente com verossimilhança aspectos físicos, químicos e biológicos de um possível contato com outra raça, o filme se preocupa muito com os impactos emocionais da humanidade perante a certas descobertas. Essa abordagem em conjunto pode ser facilmente percebida na dicotomia entre os dois personagens principais. Enquanto Louis afirma que a linguagem é o que define a sociedade, Ian afirma que é a ciência. Com o decorrer do filme, percebemos que os dois são indissociáveis, mesmo que muitas vezes sejam polarizados de forma banal. Trata-se de uma experiência cinematográfica tão imersiva e completa que o filme se configura como um dos melhores dos últimos anos. "A Chegada" mostra que uma ficção científica não é sinônimo de falta de sentimentalismo e que sentimentalismo não é falta de racionalidade. Através de metáforas complexas, o longa mostra como as ciências naturais e as ciências humanas devem caminhar juntas para o progresso da humanidade, deixando no espectador um sentimento melancólico e reflexivo, extremamente condizente com o verdadeiro papel atribuído à arte.

Nota: 

- Demolidor

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