sexta-feira, 8 de abril de 2016

Crítica de "Rua Cloverfield, 10"

J. J. Abrams é um cara que possui um faro inigualável para tramas envolventes. Vale ressaltar que o novo responsável por "Star Wars", também foi o criador da série "Lost". Apesar de seus problemas no final, a série é absurdamente importante para a história da televisão e da cultura pop em geral. Em 2008, Abrams produziu o filme "Cloverfield: Monstro". Recebeu críticas positivas, mesmo caindo no clichê de filmes "found footage", que seguiram o exemplo do clássico recente "Atividade Paranormal". Foi uma grande surpresa, então, quando "Rua Cloverfield, 10" pouco tempo atrás foi anunciado. A produção da metragem era sigilosa; não existiam trailers, teasers ou fotos dos sets. O mistério ao redor do filme era enorme, o que potencializou muito mais o rendimento final da obra. Como o espectador não foi obrigado a ser enxurrado por trailers grandiloquentes, o filme se apresentou como uma "novidade". Isso engrandece a experiência cinematográfica, pois ressalta o fator surpresa, essencial para o desenvolvimento da trama de um filme como este. Tal trama acompanha a personagem Michelle, que, após sofrer um acidente de carro, é mantida prisioneira por Howard. Este alega que o país está sofrendo um ataque químico/nuclear, mas a protagonista duvida de seus argumentos e decide investigar.

Por não ser uma sequência direta de "Cloverfield: Monstro", o filme apresenta certas liberdades dramáticas que dão dinâmica à trama. A única obrigação do longa atual é situar-se no mesmo universo que o antecessor; nada mais. Isso dá um espaço para os roteiristas Josh Campbell, Matthew Stuecken e Damien Chazelle ("Whiplash") trabalharem do jeito que quiserem. A escrita é um dos pontos fortes do filme. A forma como a protagonista é apresentada ao universo do bunker é fantástica. Não precisa-se de diálogos para compreendermos as emoções da personagem. Além disso, trata-se de uma personagem com uma carga dramática forte. Ela é a protagonista do filme, e, portanto, toma as decisões que fazem com que a trama se desenrole. E, a partir de seus erros e acertos, o espectador se vê identificado com Michelle. Trata-se de uma protagonista feminina extremamente cativante, dona de si e inventiva para a solução de problemas. Nesse quesito Michelle lembra muito a Tenente Ripley da franquia "Alien".  Aliás, a estrutura de roteiro é bem parecida. Em ambos os filmes o que importa é a tensão criada, o artifício da dúvida, e não a aparição de monstros computadorizados. "Rua Cloverfield, 10" acerta ao criar uma ambientação extremamente crível, além de eminentemente perigosa. O público nunca vê segurança nos atos de certos elementos do filme e existe sempre o questionamento do que se trata realmente o problema lá fora. E, mesmo não sendo longo, o roteiro toma seu tempo para ir, de pouco a pouco, evidenciando encaixes para a história. A trama pode não ser extremamente original ou revolucionária, mas é instigante e inteligente, conseguindo criar uma atmosfera favorável a um bom suspense.

Mas, o sucesso de um filme como esse depende de uma boa mão na direção. O responsável é o estreante Dan Trachtenberg. Os traços do produtor Abrams na direção são nítidos, porém Trachtenberg consegue conduzir bem todo o seu trabalho, principalmente nas cenas em lugares fechados. Mesmo não causando uma espécie de claustrofobia, a câmera consegue passar uma tensão inerente à trama, servindo como o espelho de um público angustiado. Todo esse trabalho é favorecido pelo jogo de iluminação que é bastante interessante, além da inserção da trilha sonora nos momentos propícios. Em relação à técnica cinematográfica, a mixagem e a edição de som merecem destaque. Um filme que possui uma boa sonoridade se apresenta de forma mais clara ao espectador, além de potencializar as emoções que o visual inspira. A fotografia tem um tom mais "pastel"; não chega a ser um ambiente escuro nem claro, trata-se de um meio termo. E essa oscilação tem total relação com a história, visto que ambos os lados são apresentados, porém, durante boa parte da metragem, não se tem um veredicto. E essa ambiguidade que o roteiro e o visual inspiram também pode ser identificada na complexidade do personagem Howard, intepretado por John Goodman. É um personagem esférico, cujas ações são imprevisíveis e que consegue ludibriar ao mesmo tempo o espectador e a protagonista. Esta que é interpretada por Mary Elizabeth Winstead. A atriz apresenta excelente caracterização dramática, além de seu porte físico ser extremamente coerente com a temática. Note que, mesmo sendo o alvo da ação em alguns momentos íntimos, a sensualidade da personagem nunca é explorada. Isso se deve ao fato de que a atriz consegue renegar esse seu lado em prol da história e promove uma imersão total no universo da Rua Cloverfield.

John Goodman apresenta uma das atuações mais brilhantes de sua carreira. Mesmo interpretando um personagem sério, o ator continua com o seu tom cômico de costume. Mas, ele provê algo além. Os olhares ameaçadores, a movimentação lenta do personagem, os diálogos ambíguos causadores de tensão são extremamente condizentes com a construção de sua persona. Nunca se sabe ao certo se ele é o herói ou se ele é o vilão. Seria ele um salvador ou um sequestrador? Essas são perguntas que só se tornam possíveis devido a uma boa estruturação de roteiro aliada a performances estupendas. Mas, infelizmente, o filme possui pequenos erros ao final. Configuram-se como erros, pois fogem da prerrogativa do filme. Ao tentar explicar certos acontecimentos, mais dúvidas foram criadas. O final não é ruim em si, ele até demonstra o desenvolvimento completo do arco da protagonista, mas falta o elemento que tornaria o filme memorável. Falta um "gran finale". "Rua Cloverfield, 10" é bem feito tecnicamente, apresenta um roteiro funcional e a atuação de John Goodman se destaca; fatores que tornam o filme um excelente suspense.

Nota: 


- Demolidor

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