quarta-feira, 20 de abril de 2016

Crítica de "A Juventude"

Federico Fellini e Bernardo Bertolucci são os principais nomes da história do cinema italiano. Buscando sempre retratos mais existenciais em suas obras, os diretores marcaram época e criaram um certo "estilo de filme". Ora, quando fala-se em cinema europeu, muitas pessoas possuem um estereótipo em suas cabeças: filmes pautados em diálogos, experimentações visuais e retratos românticos de algum lugar específico. Paolo Sorrentino, o diretor de "A Juventude", tornou-se famoso com seu vencedor do Oscar "A Grande Beleza". Lá, Sorrentino realiza uma clara homenagem a "A Doce Vida" de Fellini e exprime um jeito contemporâneo de realizar cinema, sempre lembrando-se de reverenciar aqueles que o antecederam na sétima arte. Pode-se dizer que "A Juventude" complementa esse filme, visto que o recém estreado no Brasil também aborda um pouco a questão do fazer artístico. Pode-se dizer que ambos fazem parte de uma história sobre o tempo, sendo contada por intelectuais de diversos ramos da sociedade. Se em "A Grande Beleza" quem nos conta a história é o jornalista/escritor Jep Gambardella, em "A Juventude" os narradores da arte são o maestro Fred Ballinger e o diretor de cinema Mick Boyle.

A escolha de um diretor de cinema para representar a própria visão de arte é muito oportuna. Além de representar uma clássica alusão a "8 1/2" de Fellini, trata-se de um excelente retrato metalinguístico sobre a realização cinematográfica. O diretor se vê cansado e percebe que seus tempos áureos já passaram. Apesar disso, Mick percebe que a realização cinematográfica só tem significado ao representar emoções e a compara com a própria vida. É perceptível a pegada do diretor nesse quesito, visto que Sorrentino busca sempre em seus diálogos introspectivos apresentar uma visão sobre as questões que afligem o ser humano. Por causa disso muitos podem o considerar pretensioso, mas é exatamente essa sua personalidade em exprimir seus pensamentos que o torna tão autoral. Outro personagem que tem um desenvolvimento brilhante é o maestro. Ao final de sua vida, ele percebe que se dedicou demais ao trabalho e não deu tempo a família. Mas, com o passar do tempo, o público descobre que as canções compostas por ele só existem devido ao seu amor incondicional à mulher. Porém, o maestro se contradiz em momentos que discute com seu amigo Mick sobre a racionalidade ao compor músicas, em vez do sentimentalismo puro. Essa "dupla personalidade" de Ballinger é muito bem explorada pelo roteiro, visto que sua jornada é sempre uma incógnita.

A relação entre os dois personagens é o motor do filme. A dicotomia de pensamento entre ambos é muito bem feita, principalmente devido as performances estupendas de Michael Caine e Harvey Keitel. Mas, se por um lado eles exprimem suas opiniões em relação a arte, também representam a angústia de pessoas no final da vida. Teria toda a jornada até ali valido a pena? É interessante como a amizade entre os dois é construída; são diálogos riquíssimos em sentimentalismo e desilusão. "Só contamos as coisas boas um para o outro", eles dizem. Todavia, se o que resta para muitos na velhice são as memórias, para eles nem isso serve. É notório como o diretor explora esse lado: não devemos nos fixar somente em memórias que deixarão de existir, mas nos empenhar para fazer algo realmente significante. Mas, voltando para o mérito artístico do roteiro, existe um diálogo que ilustra muito bem essa preocupação de Sorrentino. Ballinger, ao conversar com um ator de Hollywood, exprime sua chateação por ser reconhecido apenas por suas "Simples Songs". O ator, ao mesmo tempo, se sente injustiçado por apenas lembrarem dele em um filme de robôs. Isso se configura como uma crítica muito grande a um realizador artístico ser reconhecido apenas por um trabalho realizado. É como se Da Vinci tivesse apenas pintado a Monalisa.

A trilha sonora é fantástica; as músicas combinam perfeitamente com o andamento do longa, sendo indispensáveis para o real apreço com a obra. O cinema é a arte visual, mas a música consegue potencializar toda essa experiência. E, se no filme anterior Sorrentino proveu imagens estonteantes, aqui o diretor preza por cenários mais simples, porém não menos belos. A metragem apresenta uma paleta frívola, mórbida e sem cores. Tal fotografia expressa os sentimentos dos personagens como a desilusão e o vazio existencial. Além disso, demonstra a visão pessimista que o longa passa da vida. Note que o maestro afirma ceder 10 anos de sua vida para fazer uma noite de sexo com uma amada da juventude. Aliás, essa tal amada da juventude serve como mote para os acontecimentos da história. Porém, tais acontecimentos não são importantes em si, mas sim para construir uma metáfora em cima disso. É um filme para ser analisado com o cérebro (e com o coração). E, se o título de um longa sobre a velhice é "A Juventude", Sorrentino mostra-se extremamente irônico. O filme é um retrato (peço perdão pelo uso da palavra) amadurecido daquilo que vimos em "A Grande Beleza". Se Jep buscava a grande beleza que o motivaria a voltar a escrever, os personagens de "A Juventude" parecem compreendê-la e, de certo modo, menosprezá-la. A vida é como uma orquestra; até mesmo a mais linda das canções com os acordes mais refinados e instrumentos mais angelicais pode acabar um dia. A existência humana é finita e o diretor mostra que essa é a verdadeira "grande beleza".

Nota: 

- Demolidor

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