segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Crítica de "Trumbo - Lista Negra"

A indústria cinematográfica hollywoodiana está cada vez mais mudada. Era inimaginável anos atrás uma biografia sobre um escritor dito comunista entrar em cartaz nas telonas americanas. Mas, esse dia chegou. A história acompanha o roteirista Dalton Trumbo, vencedor de 2 Oscar e escritor de clássicos como "Spartacus" e "Papillon". Mas, o grande motivo do filme existir, é o fato de que Trumbo foi acusado comunista e preso por isso. O longa, além de acompanhar a vida profissional do roteirista, também explora seu lado político e seus ideais de esquerda que o levaram a prisão. A escolha da história de Trumbo é acertada por dois importantes aspectos: a apresentação de uma realidade histórica extremamente conservadora e preconceituosa, visto que, na época, a opinião política definia o sucesso de alguém; e a demonstração dos bastidores de Hollywood, que poucos filmes atuais têm a preocupação de o fazer. Trata-se de um importante estudo metalinguístico da sétima arte, apresentando seus vértices nos grandes estúdios de cinema e em atores renomados como John Wayne e Kirk Douglas.

O roteiro do filme é escrito por John McNamara, adaptado do livro de Bruce Cook. Ironicamente, é um dos pontos fortes do filme. A apresentação do universo cinematográfico é excelente. O trabalho do roteirista, a relação dele com os produtores e diretores, tudo isso é muito bem explorado. Dessa forma, serve como uma espécie de "documentário" sobre os bastidores de grandes obras. Principalmente para quem conhece os filmes a que se referem, o filme tem um quê a mais. Além disso, a posição política de Trumbo é muito bem acentuada e de certa forma, caricata ao extremo. Isso serve como uma crítica a sociedade americana da época, visto que os direitos de liberdade de expressão e opinião eram violados. Nesse cunho político, o grande mérito do longa é não demonizar o lado capitalista, mas sim as atitudes daqueles que encaravam certos roteiristas como a "ameaça comunista". Percebe-se, porém, que o filme tem uma leve inclinação para o cunho esquerdista, mostrando ideais políticos através de diálogos entre o protagonista e sua filha. Isso tira um pouco a veracidade da obra, visto que toma (mesmo que um pouco) um lado como certo. E esse fato desencadeia no grande ponto fraco do roteiro: o endeusamento do personagem principal. Mesmo que, em alguns momentos o filme mostre desentendimentos familiares, Trumbo é essencialmente um herói. E é isso que torna a cinebiografia comum; ela não sai do estereótipo de tratar a pessoa representada como superior. Enquanto "Steve Jobs", por exemplo, tratava seu protagonista com um certo desdém, "Trumbo" trata o seu com uma admiração exorbitante. Isso tira um pouco a autenticidade da obra, visto que nem um ser humano é tão perfeito assim.

A direção é de Jay Roach, diretor conhecido por comédias como "Entrando numa Fria" e "Austin Powers". Trata-se de seu trabalho mais "sério", no sentido literal da palavra. O diretor tem a capacidade de realizar um trabalho decente, mas que não é memorável. As tomadas usadas não são inovadoras e a direção em si não é muito notada. Mas, tendo em vista a contundência da história, isso configura-se como um ponto positivo. Roach não apresenta a vaidade de demonstrar seu trabalho através de planos memoráveis, ele simplesmente se preocupa em dar um bom encaminhamento para a história. E isso, consegue realizar perfeitamente. A montagem do filme é bem feita, assim como a edição. Todas as cenas apresentam o tom necessário à história e acrescentam alguma coisa para o produto final. O elenco está fantástico. Bryan Cranston demonstra que pode interpretar personagens "reais" com o mesmo brilhantismo que interpretou o icônico Heisenberg. Ele apresenta uma atuação extremamente passional e competente, porém é prejudicado pelos excessos do roteiro. O elenco de apoio também está fantástico, com destaque ao sempre cômico John Goodman e ao talento inesgotável de Helen Mirren.

"Trumbo - Lista Negra" é um filme que precisa ser assistido. A história de Dalton é extremamente cinematográfica, em todos os sentidos da palavra. Talvez por ser um personagem tão controverso, a Academia não reconheceu o longa da forma que deveria. Como cinebiografia, trata-se de uma obra bem feita em todos os seus aspectos. As únicas ressalvas estão nos excessos de roteiro, tanto em relação ao posicionamento político quanto ao apelo em demasia à figura heroica do protagonista. A grande pena é que a história tinha tudo para prover um filme não convencional, subversivo. Porém, em termos narrativos, o roteiro não apresentou coragem suficiente para sair da mesmice de Hollywood, mesmo que o personagem retratado não se enquadre nesse perfil. O filme serve como uma bela homenagem a genialidade da escrita do roteirista, porém através de excessos no roteiro, entra numa zona de conforto perigosa e, como biografia, não apresenta nada de novo ao mercado, apesar de ser uma obra que precisa ser assistida pela importância do protagonista e pela crítica ao cinema conservador americano.

Nota: 

- Demolidor

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