O roteiro, primeiramente, é muito ousado. Inicialmente, tem-se a impressão de que falta camadas nos personagens, que o desenvolvimento é muito superficial. Mas, com o decorrer do filme, a verdadeira mensagem que ele propõe revela que tal desenvolvimento não é importante. O foco do roteiro não é o excesso de sentimentalismo; mas sim retratar a essência da natureza humana. Em vez de se preocupar com dar profundidade aos sentimentos do protagonista, o filme provê uma identidade suja, sofrível através de um desenvolvimento mais físico do que emocional. Todo esse desenvolvimento só é possível, é claro, devido a grande atuação de Leo. Trata-se de um trabalho admirável, tanto pelo esforço físico nítido, quanto pelo trabalho de expressões corporais que é extremamente verossímil. Não é o melhor trabalho de sua carreira, mas DiCaprio mantém um bom nível de atuação e segue como forte candidato ao seu sonhado Oscar. O interessante do roteiro também é a miscigenação de gêneros. O filme não se preocupa em tratar-se apenas de um relato de um sobrevivente, mas faz diversas experimentações inventivas quanto à linguagem cinematográfica. Existem muitos elementos do gênero épico (muitas coisas até de Homero), suspense, faroeste e até mesmo drama familiar. Mas, o fator que torna o longa diferente de qualquer outro filme de sobrevivência, é a preocupação com o desenvolvimento do ser humano perante ao meio ambiente. Através de metáforas visuais, o roteiro de Iñárritu com Mark L. Smith consegue idealizar uma visão do que seria essa identidade humana tão falada, apresentando uma face mais selvagem do protagonista. O filme também é bastante impactante em relação a críticas implícitas ao modelo americano de civilização, visto que existe um diálogo fantástico que mostra que na verdade, a terra é dos índios. Por isso, trata-se de uma obra tão corajosa. O mexicano consegue desenvolver uma história extremamente humana, ao mesmo tempo que critica um sistema totalmente anti-humano. A genialidade de um roteirista está na capacidade de juntar elementos contrários em prol da narrativa. E isso, Iñárritu executa com maestria.
A direção, que também é de Iñárritu, é um dos pontos fortes. Os consagrados planos sequência de "Birdman" estão de volta, mas agora são mais limitados. Mesmo assim, quando esse recurso é utilizado, as cenas são espetaculares. A movimentação de câmera é impressionante e o diretor consegue abranger todo o ambiente da cena ao mesmo tempo que extrai o melhor das atuações de seu elenco. Aliás, a ambientação é excelente. É visível como o longa foi realmente filmado lá e como o diretor consegue imergir todo o público naquele universo glacial. Através de uma direção consolidada, Iñárritu dá ao filme um clima frio, invernal que segue a narrativa o tempo inteiro. É visível o modo como a ambientação e o cenário servem para o tom que o filme apresenta. Além disso, a trilha sonora nervosa e a mixagem de som precisa são essenciais para, mais uma vez, engrandecer todo o trabalho técnico. A fotografia do longa é exuberante e lembra muito "Os Oito Odiados". Mas, aqui, o diretor faz uso diversas vezes de planos abertos que dão ênfase ao meio ambiente sobre o homem. Além de apresentarem um sub-texto bastante significativo, essas cenas dão uma beleza natural imprescindível ao longa, e são dignas de papel de parede.
Os efeitos visuais são impressionantes. Vale ressaltar que o urso foi inteiramente feito por computação gráfica. Além de ser muito bem renderizado, a organização espacial da cena é perfeita. A direção consegue criar um clima extremamente apreensivo e importante para o desenvolvimento do enredo. O elenco de apoio também está muito bem. Domhnall Gleeson participa bem de suas cenas, mostrando versatilidade e imposição. Tom Hardy impressiona com a melhor interpretação de sua carreira. Mesmo com seu visível problema de dicção, o personagem dado a ele se encaixa perfeitamente com os seus trejeitos. Trata-se do "vilão" do filme, mas o personagem pode ser analisado como um vértice relacionado à obsessão humana. Aliás, seguindo por esse lado, cada personagem pode representar alguma característica inerente ao homem. E é essa profundidade que torna o filme tão especial. Não deve ser visto só com os olhos, mas com a mente. Mesmo não querendo ser sentimental, o filme emociona. Mesmo DiCaprio não tendo muitas falas, apresenta uma atuação essencial. E, com toda a suposta falta de ambição que o filme inspira, ele se prova o contrário: uma obra grandiloquente que se caracteriza por um profundo estudo da identidade humana através de uma história extremamente bem dirigida e com o elenco ideal para tal estudo antropológico.
Nota:
- Demolidor
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