O roteiro é inteiramente escrito por Quentin. É com certeza o ponto forte do filme (assim como é em todos outros filmes dele). Os diálogos são cativantes e servem, não só para preencher tempo de tela, mas para desenvolver a personalidade dos personagens. E é esse o grande brilhantismo do roteiro. Todos os 8 personagens do longa são memoráveis e possuem características muito bem apresentadas que reforçam essa ideia. E, conseguir dar profundidade para 8 personagens em apenas um filme, é deveras difícil. Clássicos como "Os Sete Samurais" de Kurosawa ou "Sete Homens e um Destino" de John Sturges (filmes que influenciaram e muito a realização de "The Hateful Eight"), apesar de serem excelentes obras de arte e funcionarem de acordo com suas propostas, não desenvolvem muito bem seus personagens. Os filmes se concentram num núcleo de 3 ou 4 protagonistas que ditam o rumo da história. O fato de todos os personagens estarem confinados numa estalagem durante praticamente toda a ação engrandece a capacidade do roteiro de prender a atenção do espectador, visto que em tal reduzido espaço não existe muita capacidade de locomoção. Dessa forma, Tarantino usa e abusa da criatividade, criando acontecimentos bizarros que são práxis de sua obra e invertendo muitas vezes a linearidade da história, através de flash-backs. Tal recurso reforça a minuciosidade do roteiro, pois diversas pistas são apresentadas durante o filme: pequenos detalhes que funcionam como peças de um quebra-cabeça a ser completado. Outro grande aspecto que o roteiro aborda é a situação dos negros e das mulheres no Velho Oeste. De uma forma não convencional, funcionando mais de forma satírica, Tarantino critica o fato dos negros serem subjugados, sendo o vértice dessa metáfora o personagem de Samuel L, Jackson. É visível que o personagem só é respeitado até certo ponto por apresentar uma carta de Abraham Lincoln, mas mesmo assim é constantemente chamado de "niger". O brilhantismo do roteiro não está no fato de reprimir esse tratamento de forma imediata, mas mostrar isso de forma exagerada como uma espécie de ironia, que faz o espectador sentir todo esse panorama de forma muito mais nítida.
A direção é muito eficaz e inteligente. Sem mostrar nenhum personagem e em apenas 5 minutos, o diretor já mostrou a que veio. O fato do filme começar com os créditos já relembra a era do faroeste, onde isso era comum. Mas, na primeira cena isso já é desmistificado, visto que somos apresentados a diversas paisagens cobertas de neve. Os faroeste clássicos sempre tinham como símbolo o calor e o deserto, que ajudavam a construir uma ideia de sujeira e mau cheiro aos pistoleiros. Com essa entrada saudosista, mas com a neve predominando, a direção cria um paradoxo que reforça a ideia de que trata-se de um faroeste não-convencional. Ora, tudo de Taratino não é convencional. A cena seguinte mostra uma estátua de Jesus Cristo coberta por neve. Isso provoca um apelo visual muito grande, pois mostra que trata-se de uma história sem a "proteção de Deus". Tal cena inspira uma rima visual no final do filme, que demonstra o cuidado da direção de Quentin. Dentro do estabelecimento, a câmera também é muito bem conduzida. É feita de tal forma que ocorre uma espécie de claustrofobia, visto que a tensão cresce gradativamente, enquanto o espaço diminui inversamente proporcional. A câmera raramente foge da altura dos rostos dos atores e isso apresenta bons aspectos. Além de extrair ao máximo das atuações, o diretor se mostra no mesmo patamar que os personagens, naquele cantinho "esquecido por Deus". A câmera só vai tomar lugar acima do cenário ao final do filme, onde uma espécie de justiça foi feita, remetendo a uma espécie de Justiça Divina. A trilha sonora é sempre um ponto forte da obra "tarantinesca". Dessa vez, o responsável é Ennio Morricone, o mesmo compositor da famosa trilha da Trilogia do Dólar e que já havia trabalhado com Tarantino em outros projetos. Aos 87 anos, é notável a versatilidade para criar novos temas. A trilha em si não é marcante como já foi, porém é essencial para os momentos de tensão do longa. As músicas presentes no filme também são excelentes e servem para contar a história. Basta prestar atenção nas letras que certas analogias podem ser feitas.
Outro ponto forte é o "casting" do filme. Todas as figurinhas carimbadas de Tarantino estão aqui. Samuel L. Jackson, sempre carismático, segura bem o filme, sendo bem apoiado por Kurt Russel, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, dentre muitos outros. Mas o destaque na atuação está em Jennifer Jason Leigh, que nos presenteia com uma atuação visceral, cheia de regionalismos e caricaturas que ajudam a remeter ao tempo passado. O melhor de tudo sobre a direção de Tarantino é a forma como ele homenageia o cinema em si. Desde os faroeste clássicos de John Wayne, até os "spaghetti" de Sergio Leone, através de sutilezas no roteiro e direção, Tarantino reverencia essas obras, ao mesmo tempo, que dá uma nova cara ao cinema. Talvez este seja o grande diferencial do diretor: a busca por sair do comodismo de uma história linear e a experimentação com diferentes gêneros e estruturas de roteiro. "Os Oito Odiados" é definitivamente um filme de Tarantino, dotado de roteiro pensado nos detalhes, direção inteligente e escolha de atores excepcional, que reforçam a ideia de que Quentin Tarantino é o maior idealizador da Era Moderna da sétima arte.
Nota:
- Demolidor
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