segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Crítica de "Os Oito Odiados"

Seria possível em menos de 25 anos um profissional de cinema ser considerado um dos maiores da história? Hithcock, por exemplo, teve aproximadamente 50 anos de carreira e Kubrick 40. Quentin Tarantino, o maior diretor do cinema moderno, nos mostra mais uma vez que com 23 anos de carreira, ele pode ser considerado um dos maiores diretores que a sétima arte já teve. E pasmem: este é o oitavo filme totalmente roteirizado e dirigido por ele. O que dizer de um diretor que tem como filme de estreia "Cães de Aluguel"? E que, não obstante, após 2 anos nos apresentou "Pulp Fiction"? Ora, com toda a sua personalidade com a câmera na mão e genialidade na hora de escrever o roteiro, Tarantino conquistou muitos adeptos do seu trabalho por todo o mundo. O mais inusitado sobre este ícone é que ele nunca cursou uma faculdade de cinema; trata-se "apenas" de um cinéfilo apaixonado. Talvez este seja o motivo de sua obra ser tão completa, Tarantino entende o real significado de cinema e o traz para seus longas, através da miscigenação de elementos de diferentes gêneros cinematográficos. E eis aqui o diretor mais uma vez brincando com os diferentes tipos de filme. Quem disse que o faroeste precisa seguir uma linha e que não pode ser misturado com uma história de detetive ou um drama psicológico pós-guerra? O diretor quebra esses "dogmas" que o cinema muitas vezes impõe de que existem gêneros invioláveis e mostra de uma forma brilhante como cada estilo de filme pode complementar outro, se mediado por uma boa história.

O roteiro é inteiramente escrito por Quentin. É com certeza o ponto forte do filme (assim como é em todos outros filmes dele). Os diálogos são cativantes e servem, não só para preencher tempo de tela, mas para desenvolver a personalidade dos personagens. E é esse o grande brilhantismo do roteiro. Todos os 8 personagens do longa são memoráveis e possuem características muito bem apresentadas que reforçam essa ideia. E, conseguir dar profundidade para 8 personagens em apenas um filme, é deveras difícil. Clássicos como "Os Sete Samurais" de Kurosawa ou "Sete Homens e um Destino" de John Sturges (filmes que influenciaram e muito a realização de "The Hateful Eight"), apesar de serem excelentes obras de arte e funcionarem de acordo com suas propostas, não desenvolvem muito bem seus personagens. Os filmes se concentram num núcleo de 3 ou 4 protagonistas que ditam o rumo da história. O fato de todos os personagens estarem confinados numa estalagem durante praticamente toda a ação engrandece a capacidade do roteiro de prender a atenção do espectador, visto que em tal reduzido espaço não existe muita capacidade de locomoção. Dessa forma, Tarantino usa e abusa da criatividade, criando acontecimentos bizarros que são práxis de sua obra e invertendo muitas vezes a linearidade da história, através de flash-backs. Tal recurso reforça a minuciosidade do roteiro, pois diversas pistas são apresentadas durante o filme: pequenos detalhes que funcionam como peças de um quebra-cabeça a ser completado. Outro grande aspecto que o roteiro aborda é a situação dos negros e das mulheres no Velho Oeste. De uma forma não convencional, funcionando mais de forma satírica, Tarantino critica o fato dos negros serem subjugados, sendo o vértice dessa metáfora o personagem de Samuel L, Jackson. É visível que o personagem só é respeitado até certo ponto por apresentar uma carta de Abraham Lincoln, mas mesmo assim é constantemente chamado de "niger". O brilhantismo do roteiro não está no fato de reprimir esse tratamento de forma imediata, mas mostrar isso de forma exagerada como uma espécie de ironia, que faz o espectador sentir todo esse panorama de forma muito mais nítida.

A direção é muito eficaz e inteligente. Sem mostrar nenhum personagem e em apenas 5 minutos, o diretor já mostrou a que veio. O fato do filme começar com os créditos já relembra a era do faroeste, onde isso era comum. Mas, na primeira cena isso já é desmistificado, visto que somos apresentados a diversas paisagens cobertas de neve. Os faroeste clássicos sempre tinham como símbolo o calor e o deserto, que ajudavam a construir uma ideia de sujeira e mau cheiro aos pistoleiros. Com essa entrada saudosista, mas com a neve predominando, a direção cria um paradoxo que reforça a ideia de que trata-se de um faroeste não-convencional. Ora, tudo de Taratino não é convencional. A cena seguinte mostra uma estátua de Jesus Cristo coberta por neve. Isso provoca um apelo visual muito grande, pois mostra que trata-se de uma história sem a "proteção de Deus". Tal cena inspira uma rima visual no final do filme, que demonstra o cuidado da direção de Quentin. Dentro do estabelecimento, a câmera também é muito bem conduzida. É feita de tal forma que ocorre uma espécie de claustrofobia, visto que a tensão cresce gradativamente, enquanto o espaço diminui inversamente proporcional. A câmera raramente foge da altura dos rostos dos atores e isso apresenta bons aspectos. Além de extrair ao máximo das atuações, o diretor se mostra no mesmo patamar que os personagens, naquele cantinho "esquecido por Deus". A câmera só vai tomar lugar acima do cenário ao final do filme, onde uma espécie de justiça foi feita, remetendo a uma espécie de Justiça Divina. A trilha sonora é sempre um ponto forte da obra "tarantinesca". Dessa vez, o responsável é Ennio Morricone, o mesmo compositor da famosa trilha da Trilogia do Dólar e que já havia trabalhado com Tarantino em outros projetos. Aos 87 anos, é notável a versatilidade para criar novos temas. A trilha em si não é marcante como já foi, porém é essencial para os momentos de tensão do longa. As músicas presentes no filme também são excelentes e servem para contar a história. Basta prestar atenção nas letras que certas analogias podem ser feitas.

Outro ponto forte é o "casting" do filme. Todas as figurinhas carimbadas de Tarantino estão aqui. Samuel L. Jackson, sempre carismático, segura bem o filme, sendo bem apoiado por Kurt Russel, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, dentre muitos outros. Mas o destaque na atuação está em Jennifer Jason Leigh, que nos presenteia com uma atuação visceral, cheia de regionalismos e caricaturas que ajudam a remeter ao tempo passado. O melhor de tudo sobre a direção de Tarantino é a forma como ele homenageia o cinema em si. Desde os faroeste clássicos de John Wayne, até os "spaghetti" de Sergio Leone, através de sutilezas no roteiro e direção, Tarantino reverencia essas obras, ao mesmo tempo, que dá uma nova cara ao cinema. Talvez este seja o grande diferencial do diretor: a busca por sair do comodismo de uma história linear e a experimentação com diferentes gêneros e estruturas de roteiro. "Os Oito Odiados" é definitivamente um filme de Tarantino, dotado de roteiro pensado nos detalhes, direção inteligente e escolha de atores excepcional, que reforçam a ideia de que Quentin Tarantino é o maior idealizador da Era Moderna da sétima arte.

Nota: 



- Demolidor

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