sábado, 23 de janeiro de 2016

Crítica de "Cinco Graças"

Um dos papéis essenciais da arte é o de retratar a sociedade. Um dos preceitos básicos do porquê da arte existir é demonstrar determinada realidade sob o ponto de vista de quem participa dela. O cinema, como arte, também tem esse papel. E é isso que o filme "Mustang" apresenta. Dirigido pela turca Deniz Gamze Ergüven, o filme retrata a história de cinco irmãs que vivem em um pequeno vilarejo onde são submetidas a ordens o tempo inteiro. Elas não tem o direito de escolha, liberdade, tampouco podem apresentar opinião própria. Dessa forma, o filme traz uma crítica contundente à sociedade machista do Oriente Médio. É visível como as meninas são castigadas por coisas consideradas normais por nós do Ocidente e como a sociedade turca tradicional subjuga a figura da mulher. Trata-se de uma obra que clama por liberdade de expressão, pelo direito de ir e vir das mulheres, pelo simples direito de poder escolher com quem casar. Dessa forma, o filme não pode ser analisado apenas com seus atributos cinematográficos. Trata-se de uma obra importante de denúncia a realidade e incentivadora de mudança de realidade.

O roteiro é escrito pela diretora em parceria com Alice Winocour. A dupla apresenta uma história cativante, mesmo sem muitos diálogos e em espaço limitado. O grande mérito do roteiro é a já citada crítica social importante. É visível como as meninas apresentam ideais de liberdade, amores próprios, mas são sempre reprimidas. As roteiristas conseguem inspirar um sentimento repugnante quanto ao tratamento que elas recebem e o espectador se vê torcendo para o sucesso das personagens principais. Aliás, o desenvolvimento das cinco irmãs é sensacional. As personagens individualmente não são muito exploradas, mas a relação entre elas é excelente. Parece que o filme tem o zelo de retratar elas como um grupo divergente e se preocupa em desenvolver a relação entre elas. É visível como os ideais que elas apresentam sobre como o mundo ao redor delas é opressor é apresentado de forma explícita. Além disso, a direção de Deniz é muito competente nesse cunho social. Existem muitos planos fechados que remetem a uma ideia de claustrofobia, além de muitas cenas com grades por todos os lados. Trata-se de um apelo visual muito grande, considerando a temática que o filme inspira que rima com as tomadas que lembram realmente uma prisão.

Mas, o mais interessante do filme, é a discussão que promove. Pode-se dizer que é um filme extremamente necessário para demonstrar que, em algumas sociedades do mundo, as mulheres ainda sofrem tratamentos patriarcais totalmente arcaicos. Isso promove uma indignação do público muito grande e o filme consegue relacionar bem todos aspectos, tanto culturais quanto religiosos, que promovem esse tipo de tratamento. A diretora consegue mostrar que mesmo sendo a cultura dela, trata-se de algo inimaginável. Através de roteiro e direção contundentes, Deniz prega por uma liberdade imprescindível. Quando fala-se sobre a situação das mulheres no Oriente, normalmente é uma informação muito superficial e nunca realmente pensamos naquela realidade. Mas, "Cinco Graças", com uma leveza e sutileza impressionantes, consegue denunciar tamanha opressão, apresentando bonitos ideais. As atuações mirins estão fantásticas, trata-se de um elenco muito forte. Ayberk Pekcan interpreta o tio autoritário que representa todo o poder dos homens naquela sociedade. Trata-se de uma atuação visceral que inspira muito desgosto quanto a seu personagem, o que resulta de um mérito do ator.

A trilha sonora é fantástica. Consegue combinar muito bem com o ritmo do filme, apresentando uma melodia suave e triste, condizentes com cada cena. Além disso, a montagem e a edição merecem destaque. O longa tem o número necessário de minutos para contar sua história; não existe nenhuma cena inútil para a proposta do roteiro. O estilo de Deniz é bem próprio; lembra muito o cinema europeu mais introspectivo e pessoal misturado com uma crítica social muito presente no cinema iraniano, por exemplo. Dessa forma, a diretora cria uma estilo próprio que acrescenta muito à obra, dando relevância tanto artisticamente, quanto como estudo antropológico. O filme foi indicado ao Oscar na categoria de filmes estrangeiros e é forte candidato. Num ano que tivemos "Carol", que apesar de bom, não apresenta nada contundente, "Cinco Graças" desfila sobre a tela do cinema como delicado, mas imponente, com relações bem desenvolvidas e um estudo social extremamente impactante.

Nota: 

- Demolidor

Nenhum comentário:

Postar um comentário