quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Crítica de "Star Wars: O Despertar da Força"

"Há muito tempo atrás, numa galáxia muito, muito distante...". Assim começava o filme "Guerra nas Estrelas" de 1977. Uma produção extremamente complicada, com problemas de orçamento, escolha de elenco, além da falta de fé do estúdio. Mas, graças a perseverança de George Lucas, o filme foi um divisor de águas do cinema. Foi extremamente revolucionário em relação ao conceito de ficção científica/fantasia, inovando ao misturar efeitos computadorizados e práticos em uma mesma cena. Além disso, trouxe personagens inesquecíveis que se tornaram marcos não só do cinema americano, mas da cultura pop em geral. Como não conhecer Yoda, Chewbacca, Darth Vader? Até então, apenas o filme "Tubarão" havia superado a barreira das centenas de milhões. "Star Wars" foi um fenômeno tão massivo, que faziam-se filas que dobravam quarteirões para entrar no cinema (daí o surgimento da expressão "blockbuster"). Eis que 3 anos depois chega a continuação que mexe com a cabeça de todos os fãs. Trata-se de, possivelmente, a melhor continuação já feita na história da sétima arte. Não só por dar complemento a uma história fantástica, mas por apresentar um arco original que se fecha perfeitamente. Mais 3 anos e surge o fim da trilogia. "O Retorno de Jedi" amarrou todas as pontas soltas que os outros filmes deixaram, dando uma conclusão definitiva para a saga de Luke (pelo menos era o que se esperava). Entre 1999 e 2005 foi lançada a temível trilogia nova que conta a história de Anakin Skywalker. Extremamente rejeitada pelos fãs e pela crítica especializada, os três filmes são relevados quando o assunto é "Star Wars". Os fãs simplesmente ignoram esses episódios tenebrosos que tiraram um pouco da magia do cinema verdadeiro. Eis que a Disney compra por uma quantia bilionária os direitos da saga. Sem mais George Lucas, qual seria o destino dos personagens icônicos que marcaram gerações? A produtora confiou esse projeto a J.J. Abrams, um dos diretores mais corajosos na atualidade, visto que foi responsável pelo renascimento de "Star Trek" e, agora, "Star Wars".

A sinopse do filme não precisa ser contada. Basta saber que passa-se depois de "O Retorno de Jedi", onde a Primeira Ordem (espécie de descendente do Império) busca trazer o lado sombrio para todas as partes do Universo. Enquanto isso, em alguma parte da galáxia, ocorre um despertar da força... É melhor parar por aqui. Uma grande sacada do marketing do filme foi a elaboração de trailers e teasers que não contassem nada crucial da história, mas que traziam elementos nostálgicos que aumentavam a expectativa dos fãs. Dessa forma, o filme consegue resgatar um pouco da originalidade de "Star Wars", visto que um dos pontos fortes da saga sempre foram as reviravoltas da trama. A Disney acertou em cheio o modo de divulgação do longa, coisa que a Warner não conseguiu fazer com "Batman vs Superman", por exemplo. O roteiro do filme é fantástico. O espectador é rapidamente introduzido no universo dos novos personagens e a apresentação destes é muito fluida. Além disso, o desenvolvimento primário das características deles é de uma destreza expressiva. Destaque para a personagem Rey que rouba o filme por sua forte presença feminina e o heroísmo nato que a atriz Daisy Ridley inspira. Vale ressaltar também o robô BB-8 que visualmente é muito bem concebido, além de apresentar uma espécie de personalidade própria que rapidamente o faz cair nas graças do grande público. Outro ponto forte do roteiro é a aproximação desse novo universo com as caras já conhecidas pelo público. Han Solo, Chewbacca, Leia, C3PO, R2-D2 estão sempre ali, servindo como uma espécie de base para toda a narrativa preestabelecida, mas a história claramente se preocupa em seguir o rumo de novos personagens, mostrando que a franquia pode viver mesmo sem os personagens clássicos. Outro fator crucial para o engrandecimento do longa foi o humor sutil presente em quase todas as 2 horas e 15 minutos de filme. Enquanto a trilogia original apresentava um tom mais sério e sombrio, e a nova um tom bobo e fútil (basta relembrar Jar Jar Binks), Abrams cria uma espécie de humor controlado, pois as piadas não são forçadas, elas apresentam-se da forma mais natural possível.

A direção de Abrams é o diferencial do filme, George Lucas pode ser considerado um gênio por idealizar um mundo como o de "Star Wars", mas nunca foi o melhor pra reproduzir isso na direção. Isso pode ser muito bem observado na trilogia de Anakin, visto que a quantidade excessiva de CGI estraga a experiência do espectador quanto ao sentimento que o filme provoca. Abrams, nerd assumido, percebeu de imediato que o que faz a trilogia clássica ser tão aclamada é a mixagem de diferentes aspectos do cinema numa mesma obra. No roteiro há a mistura de elementos do faroeste, com filmes de samurai, seguindo a jornada do herói. E na direção, existe a miscigenação de efeitos práticos e computadorizados, ambientes artificiais e ambientes montados de verdade. É exatamente isso que o novo diretor resgata de "Star Wars". É visível a construção de diversos cenários no filme, assim como o uso de veículos reais, mas, ao mesmo tempo, existem os grandes efeitos especiais que apresentam um acabamento excelente que impede o espectador de duvidar se aquilo é um efeito ou não. A condução da direção é extramente bem feita e a narrativa se desenvolve de uma forma padrão, porem extremamente bem estruturada e dividida. O clímax é apresentado no momento certo, decorrendo de uma ascendência do roteiro desde o início do filme. Pode-se dizer que existem algumas pontas soltas, mas deve-se analisar o Despertar da Força como a primeira parte de um filme maior, assim como Uma Nova Esperança era. Portanto, é necessário paciência para o desvendamento de alguns mistérios ocultos.

John Williams volta mais uma vez para comandar a trilha sonora. Apesar de usar muitos temas já consagrados, o maestro consegue criar novas melodias para as novas situações e reafirma sua grandiosidade e sua importância para o cinema americano. O elenco está excelente, principalmente John Boyega, Oscar Isaac e a já citada Daisy Ridley. O único ponto fraco é Alam Driver, pois não consegue ainda passar o peso que seu personagem inspira. O elenco original dispensa comentários, pois eles são tão apegados a seus personagens que não precisam fazer esforço algum para vivê-los. É emocionante revê-los depois de mais de 30 anos fazendo os mesmos papeis que marcaram diversas gerações e continuam marcando. Aliás essa é a grande sacada de Abrams e da Disney. "O Despertar da Força" é um filme que pode ser visto sem saber nada sobre a saga, ao mesmo tempo que apresenta espécies de homenagens aos fãs. É como se o filme se preocupasse em recrutar a nova geração para aquele Universo, mas sem esquecer dos fãs consolidados que viveram a cresceram com "Star Wars". Por isso é tão importante. Não é apenas uma antologia de filmes, mas um verdadeiro retrato da sociedade da forma mais pura da arte. A miscigenação de elementos culturais mundias faz com que a saga seja amada no mundo inteiro. Poderia dizer até que foi por causa de Guerra nas Estrelas que o Skybaggins existe hoje, visto que serviu de uma porta para todo um universo nerd e cinematográfico, portanto foi um importante definidor de caráter e aquisição cultural.  E, felizmente, J.J. Abrams e a Disney compreenderam a real importância do produto e proporcionaram um filme repleto de ação, direção consolidada, roteiro afiado, mas, principalmente, a carga dramática que dá orgulho de fazer parte do universo de "Star Wars" e de sentir que a Força realmente existe nos corações dos fãs.

Nota:  (metalinguístico, não?)

- Demolidor

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Crítica de "No Coração do Mar"

"Moby Dick" é um clássico incontestável da literatura mundial, sendo até considerado "a epopeia oficial dos Estados Unidos". Como não conhecer a imensa cachalote branca ou até mesmo Ismael? Bem, como todo romance, trata-se de uma história fictícia. Mas, o que poucos sabem, é que o livro foi inspirado nos fatos reais ocorridos com a tripulação do baleeiro Essex. Por meio de um diálogo entre Herman Meville (escritor de "Moby Dick") e Tom Nickerson (tripulante do Essex), o filme apresenta a história original que inspirou um dos mais reconhecidos livros da história americana.

O grande problema do filme é a ambição e até mesmo a falta dela. Trata-se de um ambicioso projeto, visto a importância de "Moby Dick" para a cultura estadunidense, porém tudo no filme é muito passivo. Não existe um elemento narrativo que permanece fixo durante todos os atos, apenas alguns arcos esporádicos que apresentam um possível momento de tensão, mas que são suprimidos rapidamente. Ora, uma história épica dessas (do jeito mais literal da palavra) apresenta um grande potencial dramático e conflituoso. Com salvas exceções, a maioria dos personagens não apresenta empatia alguma. Além disso, a baleia, que é o principal motor da história, não apresenta peso algum. O mínimo que se esperava era uma tensão perante ao monstro desconhecido como é espetacularmente feito com o Tubarão, de Spielberg. A cachalote, porém, que deveria ser tão imponente, não se diferenciou muito das outros baleias presentes no filme e isso impediu o desenvolvimento de quiçá, o personagem mais importante da história. A grande questão do filme é o homem desbravando o desconhecido para o acúmulo de riquezas, mas é impedido pela insignificância humana perante aos elementos da naturezas. A baleia que deveria ser o símbolo dessa superioridade natural não teve tanto peso assim, o que prejudicou a mensagem por trás do longa.

Mas. nem tudo é ruim. A direção do experiente Ron Howard é segura e bem feita. O navio é muito bem explorado visualmente, visto que a câmera passeia por todos os compartimentos do baleeiro com uma fluidez impressionante. Além disso, o contraste que as tomadas fazem entre o navio e o mar são significativos, levando em conta o embate entre homem x natureza, durante o auge da Segunda Revolução Industrial, onde a natureza era tratada apenas como fonte de matéria-prima. A fotografia é exuberante, relembrando por alguns momentos "As Aventuras de Pi". A trilha sonora é condizente com o ritmo do filme e a mixagem e edição de som são perfeitas. A ambientação do filme (metade do século XIX) é muito condizente com o período histórico ao qual se refere, o que contribui para uma total imersão do espectador.

Um dos aspectos interessantes do roteiro é a luta de classes, exemplificada pelo comando do navio. O capitão é George Pollard (Benjamin Walker) e o primeiro-imediato é Owen Chase (Chris Hemsworth). Apesar deste apresentar uma tremenda experiência em caça à baleia, Pollard é escolhido como capitão devido ao seu nascimento privilegiado. O roteiro, por meio de diálogos e suposições com traços dos atores, parece criticar a aristocracia da época, que somente se preocupava em aumentar seu poder, de modo até mesmo maquiavélico (Os fins justificam os meios). Esse embate entre os dois, porém não é muito explorado durante o filme. Chega um momento que os dois se afastam e parecem se tolerar, o que dificulta a possibilidade de um embate significativo para o clímax e de uma crítica social relevante aos privilégios familiares.

Os atores estão bem em seus papéis, mas nenhum merece realmente destaque. Hemsworth faz mais uma vez o papel de uma espécie de herói honrado que já virou marca de sua carreira. Sua atuação não é ruim, mas ele não demonstra nada novo. Talvez o grande destaque seja Cillian Murphy, que apesar do pouco espaço, consegue desenvolver uma relação afetiva interessante com o primeiro-imediato. A história, apesar de tudo, é bem conduzida até o final. Mas não é aquele filme marcante que o espectador lembra por meses. Talvez este seja o grande problema do longa. Com toda a expectativa alta devido a história do livro e a direção de Ron Howard, o filme decepciona. Não por ser ruim, mas por não mostrar nada de relevante em relação a história original e por não se propôr a criticar certos valores da época. Apesar de direção e aspecto visual imponentes, o filme decepciona por não acrescentar nada relevante a "Moby Dick" e por não apresentar um núcleo de roteiro consistente.

Nota: 

- Demolidor