quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Crítica de "Aliança do Crime"

Filmes que tratam de máfia são um clichê em Hollywood. É impossível pensar no cinema do Tio Sam sem relembrar o clássico Don Corleone ou sem venerar os Bons Companheiros de Scorsese. Vale ressaltar que a carreira de Al Pacino e Robert DeNiro devem muito a esse gênero, onde, em seus respectivos papéis, demonstraram ao mundo suas grandes capacidades interpretativas. Poderíamos até dizer que o gênero é um daqueles clássicos, intocáveis. Coisas do passado, que não precisam mais ser retratadas nas telonas. "Aliança do Crime", porém, refuta essa ideia e nos demonstra que não existe gênero intocável, sempre existe uma história a mais a ser explorada sob uma perspectiva artística diferente. Baseado no livro "Black Mass" de Dick Lehr e Gerard O'Neill, o filme, por meio de testemunhos e "flash-backs", tem o foco narrativo no protagonista James "Whitey" Bulger (Johnny Depp), acompanhando sua ascensão na bandidagem da região Sul de Boston nos anos 70. Acompanhado de sua gangue,ele deixa de ser um mero dono de rua da região para se tornar um dos mafiosos mais temidos e mais importantes da cidade.

O primeiro ponto a ser destacado é a volta de Johnny Depp a um grande patamar artístico. Não que ele alguma vez negou esse seu dom, mas durante esse milênio o ator não têm se preocupado em se provar melhor, mas sim em participar de grandes produções de entretenimento em massa, caracterizando sempre o mesmo Jack Sparrow em todos esses filmes, de modo carismático e divertido, mas sem grandes desafios. Pode-se dizer que o astro não tem um papel importante dramaticamente desde 2001, no filme "Jogada de Risco". Em 2015, Depp realmente se enquadra no papel e extrai o máximo do personagem. Ele consegue interpretar de forma brilhante o típico anti-herói, pois apesar de ser claramente um bandido assumido e homicida, em alguns momentos o carisma do personagem e a sua afeição por seus protegidos fazem com que o público torçam, mesmo que por um breve momento, pelo personagem. Podemos dizer que o ator interpreta um Heisenberg da máfia, com o peso de interpretação tão grande quanto foi o de Bryan Cranston em "Breaking Bad". Outro ponto forte do elenco são os coadjuvantes. Benedict Cumberbatch agrega muita seriedade ao longa ao interpretar o irmão senador do maior bandido da cidade. O dilema moral que isso provoca e o jeito como ele trata isso poderiam ser melhores explorados, porém o ator não tem muito tempo de tela. Um personagem que ganhou espaço no longa-metragem foi John Connoly, um grande amigo de infância de Whitey, que entra para o FBI e começa uma aliança com o mafioso irlandês, a fim de eliminar a Cosa Nostra da região  (daí o motivo da tradução do título genérico aqui do Brasil). Um ponto muito abordado no arco de Connoly é a lealdade. Até que ponto devemos ajudar um amigo, mesmo que isso seja contra os princípios morais e éticos da sociedade e, até mesmo, da Constituição? Como o personagem recebe bastante tempo de tela, esse conceito é bem explorado e dá uma espécie de "razão" para suas atitudes.

A direção é do promissor Scott Cooper ("Tudo por Justiça"). Percebe-se que ele apresenta uma boa percepção para escolha de elenco e história, mas ainda não achou um ritmo ideal. Apesar de nas cenas de ambientes fechados a tensão ser muito bem construída, na cena seguinte já somos apresentados a um ambiente com um clima completamente diferente. Essas oscilações de humor que o filme promove demonstram uma falha na edição e montagem do filme, pois, apesar da história apresentar continuidade, o espectador demonstra-se desinteressado. Isso faz com que o público massivo que vai ao cinema não se apegue tanto a história e não extraia ao máximo seu potencial. Apesar disso tudo, considerando que trata-se apenas do terceiro longa da carreira do diretor, esse é uma aspecto que pode ser melhorado, e, se o for, trará a sétima arte belíssimas obras. O roteiro é bom, mas é prejudicado pelo andamento do filme. A falta de clímax também é notável, visto que não é apresentado um momento ápice de tensão. Talvez o grande fator crucial do roteiro seja o desenvolvimento dos personagem e da região em si. Do modo como tudo é apresentado, o espectador é rapidamente imerso em Southie Boston e passa a conhecer todos de lá. É um mérito que os clássicos de máfia faziam e que "Aliança do Crime" consegue realizar muito bem. Aliás, se formos comparar o filme de 2015 com os antigos, podemos fazer uma analogia interessante.

Ora, todos os filmes da década de 70 e 80 tratavam da Máfia italiana, normalmente tratando da ascensão dos sicilianos em território norte-americano. Aqui é exatamente o contrário, afinal o foco do filme é uma aliança entre o FBI e a máfia irlandesa para destruir a máfia italiana. Será que o novo filme teve a pretensão de se firmar na atualidade como novo clássico de máfia, deixando os italianos no passado? Seria demais fazer essa comparação, mas "Aliança do Crime" em 2015 cumpre seu papel. Apesar de ritmo lento e com muitas oscilações de tom, o longa retoma um gênero clássico explorando ao máximo a volta do grande potencial artístico de Johnny Depp, esquecido nas grandes produções hollywoodianas e abordando de forma interessante conceitos como o de família e lealdade.

Nota: 

- Demolidor


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