domingo, 22 de fevereiro de 2015

Crítica de "Selma: Uma Luta pela Igualdade"

"Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação  onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho  um sonho hoje!" Quando lê-se esse discurso, todos já sabem de quem se trata. Martin Luther King Jr. Uma das figuras mais importantes da história mundial, ativista em prol da defesa dos direitos civis dos negros, ganhador do prêmio Nobel da paz. Um dos homens mais importantes do século XX. King já foi tema de alguns filmes sobre seu trabalho inteiro, mas aqui é muito específico. O filme acompanha a luta dos negros em Selma, Alabama pelo direito de votar.

Trata-se apenas de uma das conquistas de Luther King em sua jornada contra a desigualdade racial nos EUA. Mas isso não desmerece sua figura. Pelo contrário. Mostra como ele se entregava em suas lutas e fazia o melhor possível para vencê-las. Discutía com chefes de estado (até mesmo com o presidente) e fazia discursos maravilhosos a fim de mobilizar a população. O roteiro do filme tem a habilidade de retratar Martin da maneira mais fiel possível. A partir do momento que emergimos naquele mundo passamos a nos importar com a luta dos negros. Chega até a dar nojo das atitudes de algumas autoridades e da população local. O roteiro consegue passar a mensagem de sacrifício e luta que os negros passaram para terem seus direitos aprovados até que no final sejam recompensados num momento de glória. É difícil analisar o roteiro impassionalmente, pois seu objetivo é retratar uma luta extremamente desumana e nos mostra como determinados personagens foram tão empenhados na luta, entregando sua própria vida em troca da liberdade. O mérito perceptível que o roteiro apresenta é de tornar o filme dinâmico. Apesar de ser um tema deveras político, não existe aqueles momentos enteidantes. O roteiro sempre consegue prender a atenção do espectador.

A direção é de Ava DuVernay. É uma direção extremamente corajosa. Ela usa de tomadas que focam nas expressões dos personagens em momentos dramáticos que são belíssimas. Além disso, a diretora não esconde as cenas de sofrimento. Ela configura-se como uma diretora que incomoda. Isso não é ruim, pelo contrário. Através da cena o espectador fica enojado com tudo aquilo e seu senso de realidade aumenta. Trata-se de um excelente trabalho de direção. A diretora também faz uma crítica explícita a sociedade da época, extremamente corajosa. Enquanto filmes como "Sniper Americano" enaltece a figura do herói americano, Selma rebaixa os valores morais do país. Não é que o filme critique o país inteiro, mas critica vorazmente a postura das pessoas em relação ao racismo.

Dessa forma, "Selma" configura-se como um filme extremamente importante, ao tratar de assuntos até hoje muito ocultos e dando uma posição imparcial sobre ele. Conta com uma atuação espetacular de David Oyelowo (esnobado no Oscar) e trilha sonora fantástica. Destaque para as músicas escolhidas para o longa dentre elas a música "Glory" de John Legend e Common. Um roteiro que consegue prender a atenção do espectador e uma direção que incomoda. Uma aula sobre como fazer fimes baseados em fatos reais, onde os fatos são realmente reais diferentes de filmes como "O Jogo da Imitação". Esquecido no Oscar, Selma é um dos melhores filmes do ano e precisa ser visto não só pelos amantes de cinema, mas pelos amantes da humanidade.

Nota: 

- Demolidor

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Crítica de "Sniper Americano"

Clint Eastwood. Com certeza, um dos diretores mais surpreendentes da história do cinema. Quem iria imaginar que aquele ator sem muito talento dos velhos filmes de faroeste poderia se tornar em um diretor tão profundo? Clint surpreendeu a todos, fazendo história no cinema moderno com excelentes filmes como "Menina de Ouro" e "Gran Torino". No gênero de guerra, Clint mostrou-se um diretor afiado a debater assuntos controversos, apresentando os dois lados da história nos filmes "Cartas de Iwo Jima" e "A Conquista da Honra". Um diretor que no auge dos seus 85 anos continua dirigindo e produzindo filmes dignos de premiações. Com essa bagagem inteira nas costas, chegamos a Sniper Americano. O filme conta a história de Chris Kyle (Bradley Cooper), o atirador de elite mais letal da história do exército americano que fez seu nome ao lutar na Guerra do Iraque.

Apenas pela premissa dá pra perceber que o filme é extremamente patriótico. Isso é um pouco decepcionante ao falar do diretor, que costuma apresentar as histórias de um modo imparcial. Aqui não existe nenhum momento que a guerra é criticada com clareza, e os americanos têm sempre a figura de um herói, enquanto os iraquianos são sempre os vilões. Como recurso do roteiro é um trabalho notável, pois o público consegue criar uma identificação com os personagens principais. Porém tratando-se de uma história real é uma manobra muito arriscada, pois muitas pessoas interpretarão a Guerra do Iraque como válida e apoiará os EUA. Esse é o principal fator que impede o filme de ser histórico: a política. O roteiro, aliás, descontando o patriotismo é fantástico. Consegue apresentar a história do protagonista sem enrolar muito e cria uma imagem heroica na qual o espectador se agarra rapidamente. Além disso, debate um tema constante na Guerra: o abalo psicológico dos soldados. O roteiro consegue apresentar isso numa forma muito clara, nas tomamadas de decisões e nas mudanças de comportamento que os personagens apresentam. É um tema que já foi mostrado em clássicos como "Apocalypse Now", mas é bem adaptado aos dias atuais.

A direção de Clint Eastwood é notável. As transições que ele usa de uma cena para a outra, o contraste de cores são artifícios muito usados pelo diretor. Além disso, Clint é um diretor muito detalhista e enfoca em alguns elementos interessantes. Existem duas cenas que o diretor foca em terroristas usando roupas de marcas americanas como "Nike" e "Adidas". Isso é um crítica implícita, e mostra como a guerra é mais comercial do que qualquer outra coisa. Clint porém, não se apresenta como aquele diretor notável devido a grande propaganda política que o filme é, mesmo mostrando-se um excelente diretor de cenas dramáticas (possivelmente o melhor da atualidade nesse quesito). A história de Chris Kyle com certeza é fantástica, mas o modo como foi passada para as telonas é americanizado demais. É até compreensível, afinal trata-se um filme americano sobre um herói americano, mas tratando-se de Clint Eastwood esperava-se algo mais.

Bradley Cooper é a grande surpresa do filme. Apesar de ter se mostrado um bom escolhedor de trabalhos nos últimos anos, sendo indicado a 3 Oscars seguidos, é aqui que Cooper faz valer suas indicações. O ator carrega o filme inteiro nas costas e sua atuação é fantástica. Ele capta o espírito caubói do personagem, usando de cacuetes da região, além de fazer um sotaque diferente. Fisicamente, Cooper se preparou bem e durante o filme convence como um militar de elite. Mas, onde o ator realmente surpreende são nos conflitos psicológicos, onde o ator consegue passar muita emoção. É perceptível como Bradley Cooper se entregou ao papel e realmente encarnou Chris Kyle. O elenco de suporte também está muito bem, mas o destaque sem dúvidas é Bradley Cooper.Trata-se de um excelente filme de guerra, com um personagem bem apresentado e interpretado. O grande problema do longa é a política por trás dele.

Nota: 

- Demolidor

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Crítica de "A Teoria de Tudo"

Stephen Hawking é, sem dúvida, um dos maiores gênios da atualidade. Sua vida é repleta de atos de superação e, como Hollywood (e o Oscar) adora esse tipo de história, temos como indicado a melhor filme esse ano “A Teoria de Tudo”. O filme mostra um trecho da vida de Hawking. Desde o descobrimento da doença até a publicação de seu primeiro livro “Uma Breve História do Espaço-Tempo”, quando a esclerose lateral amiotrófica já se encontrava num estado avançado.

O longa foca, principalmente na relação de Stephen com Jane. Isso resulta no maior problema do filme (pelo menos para mim). O espectador vai ao cinema muito mais interessado em conhecer o trabalho de um dos maiores físicos de todos os tempos do que em conhecer sua vida amorosa. Claro, é mostrado parte de seu trabalho, mas o foco aqui é claramente o romance entre os dois. O que talvez pode deixar alguns espectadores frustrados.

Eddie Redmayne interpreta Stephen numa atuação completamente física. A maneira como o ator capta os diversos estágios da doença é brilhante. O jeito que ele se contorce e a forma como ele passa emoção mesmo quase sem se mexer também é incrível. Ele está indicado a Melhor Ator, mas não votaria nele. Além de preferir as performances de Cumberbatch (Jogo da Imitação) e Keaton (Birdman), acredito que Redmayne ainda é muito jovem e que, se continuar desse jeito, ainda concorrerá muitas outras vezes.

Felicity Jones faz Jane Hawking, a mulher de Stephen. Sua atuação também é muito boa. A grande verdade é que Jane só casou com Hawking porque sabia que ele morreria em dois anos, e queria dar os melhores dois anos para o marido. Porém, quando o tempo começou a passar, e Stephen aguentavou a doença, Jane se viu num dilema. Afinal ela não queria passar a vida inteira cuidando de Hawking. Felicity nos passa esse dilema através de sua performance. Ela também está indicada a Melhor Atriz, mas também não deve ganhar. Existem candidatas mais fortes na categoria também, como Julianne Moore (Still Alice) e Reese Witherspoon (Wild).

A direção é de James Marsh. Pode-se dizer que ele cria um filme visualmente muito bonito usando bastante as cores e o foco. Além disso, ele conduz muito bem os atores, o que é muito difícil, principalmente quando se trata de atuações gradativas. Mesmo assim, a direção e o roteiro perdem pontos por focar demais no relacionamento e muito pouco no trabalho do físico. Afinal, o filme é baseado no livro que a esposa de Hawking escreveu.

No final, “A Teoria de Tudo” é um bom filme. Tem uma indicação merecida a Melhor Filme, mesmo com poucas chances de ganhar. Com atuações excelentes, o filme retrata de uma forma tocante a vida de um dos maiores gênios da atualidade. Porém, não se pode dizer que esse é o retrato definitivo de Stephen Hawking.

Nota: 

- Bilbo

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Crítica de "Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)"

"Birdman". Difícil falar sobre um filme tão simples e,ao mesmo tempo,tão complexo. É uma daquelas obras que continuam no inconsciente do espectador mesmo muito tempo depois de ser assistida. Um filme que se apresenta como uma verdadeira obra de arte e que desfila sobre a telona do cinema num ritmo agradável, apresentando seu mundo ao espectador e fazendo com que ele emerga nele. É um daqueles longas difíceis de serem avaliados ou criticados, pois trata-se de uma crítica social poderosa. É um filme que serve como entretenimento, mas muito mais que isso mexe com as emoções,ao mesmo tempo que mexe com o intelecto do público. Simplesmente fantástico. O filme acompanha Riggan (Michael Keaton) um ator famoso nos anos 90 por interpretar o herói Birdman nos cinemas. Riggan, então, decide provar seu verdadeiro valor artístico através de uma peça da Broadway.

A premissa do filme parece bastante simples. Trata-se de um ator em busca de reconhecimento artístico. Isso pode ser aplicado muito bem ao ator Michael Keaton que é taxado como o Batman do Tim Burton. O filme serve como uma alusão ao próprio protagonista. Mas o longa vai além disso. Não chega a ser uma crítica ao entretenimento para as massas (os famosos "blockbusters"), mas sim a forma como essas obras são tratadas pelos que se autodenominam "verdadeiros artistas". O filme mostra de uma forma muito clara o desprezo que os críticos e os atores teatrais têm por essas obras que não são artísticas, servem apenas para entreter a massa. O filme porém não segue o pensamento desses personagens. Muitas vezes o roteiro rebate essa ideia, mostrando que mesmo os filmes blockbusters têm seu valor. Além disso, a verdadeira crítica está no fato de Riggan querer ser aceito na sociedade artística. Não satisfeito com o fato de ser conhecido como o Birdman, o ator faz de tudo para proporcionar uma obra na qual seu trabalho seja reconhecido. O roteiro mostra que o ator não faz isso por amor (é claro que ele gosta do que faz), mas a principal razão é o reconhecimento das pessoas. O fato dele querer mostrar para o público que existe um grande ator por trás da máscara. E é assim que o roteiro torna-se genial: expressando os conflitos psicológicos de Riggan, usando de personagens como sua filha Sam (Emma Stone) e seu parceiro de cena Mike (Edward Norton) como vértices de sua obsessão.O filme também traz o espectador ao mundo dos blockbusters, mostrando na TV ao fundo uma entrevista de Robert Downey Jr, ou citando que Michael Fassbender está fazendo um novo "X-Men". Nota-se que os atores mostrados ou citados são excelentes (inclusive artisticamente falando). Um roteiro brilhantemente pensado e que se for notado cada detalhe estaria escrevendo isso por dias.

A direção é de Alejandro González Iñárritu ("Babel"). Ele faz um trabalho excepcional. O filme inteiro é filmado através dos planos sequência. Ele consegue trabalhar com a câmera duma forma que ela torna-se o público. Grande parte do longa situa-se no teatro onde a peça vai ser apresentada, e a câmera flui através dos camarins, dos palcos, parando somente em diálogos entre os atores. Isso faz com que o filme tenha um quê de realista, pois a direção não é cronometrada, ela deixa-se levar pelo ambiente contando a história de sua forma. Além disso, o diretor consegue manusear a câmera em algumas cenas para extrair o máximo da performance de seus atores. O filme apresenta alguns efeitos especiais e estes são extremamente bem acabados. Surpreendentes até, por tratar-se de um filme sem muito dinheiro investido. Alejandro apresenta uma direção desafiadora e o filme mostra o esforço necessário para essa realização.

O elenco está fantástico. Michael Keaton apresenta-se com a melhor intepretação do ano. Sua atuação é praticamente indescretível. Ele consegue realmente viver o personagem e ajuda assim ao público emergir na história e esquecer realmente que trata-se de um antigo Batman. Trata-se do papel mais artístico de Keaton e ele não deixa a chance escapar. Faz um trabalho digno de reconhecimento. Aliados a ele, Emma Stone e Edward Norton fazem um excelente trabalho de suporte, tendo seus momentos de destaque. É um elenco muito bem selecionado e que mostrou-se bastante entrosado. Birdman é um daqueles filmes que mesmo se não for premiado ficará na memória daqueles que o assistiram como uma obra satírica, sarcástica e até mesmo inovadora.

Nota: 

- Demolidor

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Crítica de "O Jogo da Imitação"

Se está na moda cinebiografias dramáticas, eis mais uma. Associada ainda com o tema Segunda Guerra Mundial? Teria tema mais clichê? Quem fez essa pergunta se surpreendeu ao conhecer o filme "O Jogo da Imitação". O filme conta a história de Alan Turing (Benedict Cumberbatch), o gênio matemático que descobriu o código nazista usado na máquina Enigma. Essa descoberta, segundo os historiadores,encurtou a Guerra por dois anos, salvado 14 milhões de vidas.Trata-se de um dos maiores heróis de guerra da história mundial! E você provavelmente nunca ouviu falar em Turing. Isso tudo porque essa brilhante e emocionante trajetória foi mantida em sigilo por mais de 50 anos. Muito tempo depois de falecido é que a história de Turing veio a tona. Primeiro no livro de Andrew Hodges e agora nas grandes telonas.

O roteiro é de Graham Moore. Trata-se de um roteiro brilhante. O roteirista consegue apresentar os fatos reais de uma forma bastante dinâmica. Provavelmente os fatos reais demoraram para se desenvolver, com grandes intervalos entre grandes acontecimentos. No filme,os personagens possuem relações interessantíssimas. O círculo de pessoas em volta da descoberta do código está em constante conflito e o roteiro cria uma tensão entre os personagens primorosa. Além disso, a personalidade de Alan Turing é muito bem apresentada. Existe um outro lado de Turing que o filme apresenta bem: seu lado homossexual. E o filme apresenta esse lado de uma forma tão sutil que não nos surpreende. E mais: o roteiro consegue criticar a sociedade homofóbica da época por meio de diálogos e reações dos personagens.Além disso constrói toda a personalidade de Turing por meio de acontecimentos de sua vida (o filme passa-se em tres momentos distintos da vida do matemático). O roteiro tem o mérito, portanto, de dar um ritmo agradável ao filme, prendendo a atenção do espectador e criando um vínculo com os personagens.

A direção é de Morten Tyldum. Ele apresenta uma direção muito consciente. Sem apresentar enormes tomadas e planos sequências devastadores, o diretor mostra-se preocupado com acompanhar o roteiro. Com a câmera na maior parte do tempo na mesma altura dos personagens, a câmera se torna apenas uma observadora. E não precisava ser mais que isso. Devido a fascinante história, a câmera não precisava de inovaçôes, apenas acompanhar a história seria suficiente. Aliás, a direção se mostra preocupada com os atores e extrai ao máximo seus potenciais artísiticos. O elenco torna-se assim excelente. Benedict Cumberbatch (que está numa crescente de sucesso) conduz muito bem o filme. Sua atuação é metódica e desafiadora. Aliás existem alguns momentos do filme que sua atuação lembra seu próprio Sherlock da série da BBC. Mas é nesse filme que Cumberbatch prova seu verdadeiro valor artístico nas cenas de emoção, principalmente. O elenco de apoio também está muito bom, destaque para Keira Knightley e Charles Dance.

O filme precisa ser visto, não somente por tratar-se de uma excelente obra cinematográfica, mas por apresentar a história de um verdadeiro herói desconhecido. Não sei se essa forte campanha do Oscar conseguirá enaltecer o valor do filme, e se não o fizer será uma pena. "O Jogo da Imitação" é a perfeita combinação entre uma história real imprescindível e um filme bem feito com roteiro e atores fantásticos.

Nota: 


- Demolidor